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1 de fevereiro de 2002 |
FSM: Entrevista com Noam Chomsky «Humanidade precisa de uma nova Internacional»
Nelson Jobin
Cientista e livre-pensador norte-americano crê numa globalização que priorize o ser humano e não o capital. Além de analisar o impacto do ataque de 11 de setembro, ele critica o Alca e o militarismo.
O mundo precisa de uma nova Internacional para lutar por uma globalização que favoreça os interesses dos seres humanos em vez do grande capital, afirmou nesta quinta-feira o lingüista e pensador norte-americano Noam Chomsky, um dos maiores críticos do imperialismo. Em entrevista em Porto Alegre, Chomsky, que abre o Fórum Social Mundial com a conferência Um Mundo Sem Guerras É Possível, declarou ser preciso acabar com a guerra para que a humanidade não seja extinta pelas armas de destruição em massa existentes hoje. O professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) disse ainda que as recentes ameaças do presidente George W. Bush de expandir a guerra contra o terrorismo são tentativas de posar com um líder forte, "capaz de pulverizar seus inimgos", e de abafar o escândalo da falência da empresa de energia Enron, que ajudou a financiar sua campanha. Como o atual processo de globalização aprofunda a diferença entre pobres e ricos, Chomsky advertiu que será preciso usar a violência para controlar as massas excluídas, o que levará à militarização da última fronteira: o espaço sideral. -Como fica o movimento antiglobalização depois de 11 de setembro? -O Fórum Social Mundial não é antiglobalização. Ninguém aqui está contra a globalização. Devemos lembrar que o internacionalismo começou com a criação da Internacional dos Trabalhadores no século 19. O verdadeiro fórum antiglobalização está ocorrendo em outro lugar e está ligando a instituições ilegítimas. Aquela é a globalização que favorece às multinacionais, que promove uma luta de classes. Há cem anos, o movimento sindical estava na frente das multinacionais. O que nós queremos é uma globalização diferente. Outro ponto é a exploração política dos atentados de 11 de setembro para fomentar uma luta de classes e silenciar os que se opõem à globalização das multinacionais. Vamos prosseguir com mais tenacidade a nossa agenda. Não vamos ficar quietos nem ser mais submissos. Não há razão para sermos intimidados por essa tática da luta de classes. A resposta está em nossas mãos. Podemos ser obedientes e submissos mas isso só vai dar liberdade aos centros do poder ilegítimo. Ou ignorar essa ordem ridícula e ilegítima. Esse Fórum Social Mundial é nossa segunda resposta. -Quais são as prioridades do movimento pela globalização solidária? -As prioridades estão dadas pelos temas que serão abordados. As propostas devem nascer da ação e da discussão. Qualquer movimento de massas deve agir assim. As propostas serão tiradas do debate. É a primeira promessa de construir uma nova Internacional. -Como construir um mundo sem guerras? -Esse é o tema da minha palestra na abertura do Fórum. Não devo me autoplagiar. Mas posso dizer que ou teremos um mundo sem guerras ou não haverá mais mundo nenhum. Os seres humanos têm meios de se destruir e as grandes potências chegaram muito perto disso nos últimos 50 anos. Um novo exemplo é o esforço para militarizar o espaço pela primeira vez. Essa forma atual de globalização aprofundou a divisão entre uma minoria muito rica e uma imensa maioria de destituídos. Isso vai exigir o uso da força para controlar as massas. Então será necessário militarizar o espaço, assim como no passado foram criadas as Forças Armadas para defender os interesses econômicos. É preciso minar e eliminar a militarização. Há uma conexão direta entre a globalização orientada para os seres humanos e o esforço para que haja um mundo para nossos netos, um mundo sem guerras. -O que mudou depois de 11 de setembro? -Foi um tremendo choque para a Europa e os EUA. Eles estão familiarizados com atrocidades dessa natureza. O estado onde moro, Massachusetts, na Nova Inglaterra (EUA), não foi colonizado pelos ingleses distribuindo doces para as crianças. A Europa não conquistou o mundo de maneira gentil e boazinha. Mas esta foi a primeira vez em que as armas foram apontadas em outra direção, contra os ricos e poderosos que fizeram isso durante séculos. Foi uma atrocidade como tantas outras. A diferença foi o alvo. Foi uma mudança histórica. Um choque nos centros de poder. O objetivo deles agora é manter a dominação sob circunstâncias inesperadas. -O discurso do presidente George W. Bush no Congresso dos EUA ameaçando estender a guerra contra o terrorismo à Coréia do Norte, ao Irã e ao Iraque representa uma vitória da linha dura dentro do governo norte-americano? -Os redatores dos discursos de Bush acham que a maneira de manter a popularidade é apresentá-lo como herói. O discurso também desvia a atenção do escândalo da falência da Enron (empresa de energia do Texas que ajudou a financiar a campanha republicana) e da transferência de dinheiro para os ricos através de cortes de impostos. Ele gosta de posar como um líder forte, capaz de pulverizar os inimigos. Não há razão para achar que a retórica revela algo de concreto quando às verdadeiras políticas do governo Bush. Acho que ele não vai concretizar nenhuma das ameaças que fez pelas mesmas razões que os EUA não fizeram anteriormente. -Onde há exemplos de uma economia democrática que funcione? -No passado, havia escravidão. Hoje existe alguma democracia parlamentar que funcione? Existe alguma sociedade onde os direitos das mulheres sejam respeitados? Não. Então vamos criar. Já foram feitos grandes avanços. Quando a Revolução Industrial chegou aos EUA há 150 anos, houve gente que disse que, além de acabar com a escravidão, os trabalhadores deveriam assumir o controle das fábricas onde trabalham. Eles não tinham lido Marx. Simplesmente estavam dizendo que os trabalhadores deveriam gerenciar as fábricas onde trabalham. Nos últimos 150 anos, vimos outras propostas interessantes. Um dos objetivos do Fórum é esse. Defender os direitos das mulheres faz o mesmo sentido do que se opor ao trabalho escravo. Ainda existem hoje cerca de 30 milhões de escravos. Com outra metodologia, poderíamos dizer que há centenas de milhões. -Como criar uma mídia independente e responsável? -Precisamos de uma mídia mais independente e democrática. Não é idealismo. Demorou tempo para destruir a mídia popular e democrática. No início do século 20, tinha um jornal chamado 'Apelo à Razão' nos EUA quase tão importante quanto a mídia dominante. Vendia 30 milhões de exemplares por semana. Houve uma grande campanha do capital para destruir a mídia independente. Até as ditaduras militares, que vocês conhecem muito bem na América Latina, tiveram de recuar diante da imprensa independente. É preciso apenas dedicar esforço e energia. -Como se desenvolve esse programa de ação? -Por exemplo, aqueles que detêm o poder ilegítimo acreditavam que poderiam fazer passar a Alca (Associação de Livre Comércio das Américas) silenciosamente. Basta ver, por exemplo, que a Alca não estava na plataforma dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Como não havia consenso, não apareceu na campanha nem foi discutida na chamada 'imprensa livre'. Graças a iniciativas em todo o hemisfério, houve uma grande mobilização e uma onda de manifestações que culminou em um grande protesto na Reunião de Cúpula das Américas realizada em Quebec, no Canadá. Mas um dos protagonistas neste luta de classes nunca descansa. Temos de continuar lutando. Quanto a propostas alternativas, elas têm sido feitas abundantemente. Não cabe entrar em detalhes agora. Muitas são boas. Precisamos intensificar a luta. Esses acordos de comércio internacional nada têm a ver com livre comércio. São fortemente protecionistas. Tentam garantir o monopólio e o controle tecnológico dos países centrais. Um de seus nomes é TRIPs (sigla em inglês do Tratado sobre Questões Comerciais Relacionadas ao Direito de Propriedade Intelectual, Trade Related Intellectual Property Issues). Então, uma proposta é desmantelar o TRIPs. Alguns passos foram dados aqui no Brasil contra a indústria farmacêutica no caso dos medicamentos genéricos. Por causa das conseqüências humanitárias, é um exemplo grotesco da manipulação da saúde é apenas um exemplo. -A eleição de George W. Bush e os atentados de 11 de setembro foram golpes da direita nos EUA? -Há uma grande indústria de boatos levantando a tese de que o vice-presidente Dick Cheney e a CIA estão por trás dos atentados de 11 de setembro. Isso drena os esforços que poderiam ser canalizados para ações positivas. Essas idéias não merecem atenção. É preciso descartar essas hipóteses. -Quais são as possibilidades de resistência diante da ALCA e do Plano Colômbia depois de 11 de setembro? -As possibilidades devem ser as mesmas porque nada mudou nesse sentido. 11 de setembro foi um momento histórico mas deixou em aberto os problemas que já existiam. Acho que não se deve falar em opções não-violentas. Nada agradaria mais aos centros do poder do que a transferência dessa luta a arena da violência, onde eles são dominantes. Mas são fracos na área da ação popular, do interesse público. Somos fortes no debate e na democracia. Não podemos dar espaço para eles. Uma das conseqüências de 11 de setembro foi a deflagração de uma guerra contra pessoas extremamente pobres e sofridas. -Os acontecimentos de 11 de setembro estão sendo usados para acabar com a idéia de criação de um país palestino independente, que parecia próximo, e lançar novos ataques contra os palestinos em nome do combate ao terrorismo? -Não dá para se iludir. Há uma propaganda que faz acreditar que estava sendo oferecido um Estado palestino independente. Mas o mapa do plano de paz de Clinton nunca foi publicado. Era semelhante aos bantustões da África do Sul de 40 anos atrás. Um representante palestino que estava em Camp David vai falar aqui. Se existisse algo que possamos chamar de imprensa livre, mostraria qual a meta do (então primeiro-ministro Ehud) Barak. Um dos negociadores israelenses, o ex-ministro Shlomo BenAmi, que também é historiador e acadêmico, escreveu um livro dizendo que o objetivo final do processo de paz de Oslo era criar uma situação neocolonial. Está havendo também uma onda de atrocidades contra os curdos implementada desde o governo Clinton, que exportou armas para a Turquia. Esse massacre está fora da agenda da mídia. Antes de 11 de setembro, o governo turco não teria a ousadia de prender jornalistas. Essas medidas repressivas não passariam. Estou deixando Porto Alegre antes do encerramento do Fórum para assistir ao julgamento. Meu recado final é: não sigam as ordens. |
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