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27 de janeiro de 2002 |
Civilização brasileira Carlos Castelo Branco (*)
São 7 horas da manhã de uma segunda-feira, vai começar o dia.
Olho pela janela do meu quarto, chove a cântaros, mas o caminhão, a blazer e
o furgão da polícia estão fechando o quarteirão, como de costume.
Tudo indica que vai ser uma semana normal.
Depois de me espreguiçar, desço vagarosamente da cama me arrastando no chão como uma cobra. Vou fazendo essa movimentação até o box, onde abro o chuveiro com os pés. Tomo meu habitual banho deitado. Tal prevenção pode parecer exagerada, mas a parte de trás de nosso habitáculo dá para uma favela. A necessidade faz o cidadão. Reparo surpreso que aprendi a me enxugar no chão com relativa facilidade. O curioso é que nunca saio com as costas molhadas, o tapetinho deve ajudar a enxugar as gotas. Só então me levanto, puxo rapidamente o colete à prova de balas da gaveta para proteger o peito e as costas. O segundo movimento coordenado é o de pegar o capacete e enfiá-lo na cabeça. Só então começo a passar o fio dental e a escovar os dentes. Na cozinha, minha mulher e meus dois filhos, já estão me esperando. Tomamos café juntos. Claro, tenho que ralhar com o Juninho. Ele, de novo, ia para a escola desarmado. Moleque distraído. Saímos os quatro da mesa rastejando. Sigo com as crianças para a garagem pelo elevador blindado de serviço. Minha esposa fica agachada à porta nos dando proteção com o rifle novo que minha sogra nos deu no Natal. Alguém já disse: a segunda-feira, nos países cristãos, é o dia depois dos jogos de futebol. Odeio segundas-feiras. É sempre a mesma coisa. Entro com os meninos no carro. Coloco os dois no porta-malas para, em caso de abordagem, tentar negociar um resgate menor. Saio para a rua e vejo a mesmo de todo início de semana: o dono do armazém trocando tiros com o traficante da esquina, a padaria sendo incendiada pela enésima vez. Deixo as crianças na escola. O congestionamento de sempre na frente do portão; a demora dos outros pais em retirar os filhos do porta-malas me irrita. Buzino. Há um princípio de tumulto. Uma das mães toma um susto, se joga no chão e descarrega seu 38 cano longo na direção do meu carro. As balas passam silvando ao lado do meu retrovisor esquerdo. Sigo até o escritório por uma Marginal, assim evito ser abordado por aqueles meninos que vendem balas 9mm nos semáforos. Depois de passar pelas quatro blitze, finalmente entro em minha baia. O dia vai começar para valer. Meus colegas vão chegando, tirando os coletes à prova de balas, colocando as pistolas ao lado do terminal de computador. Tudo tão maquinal, letárgico, tudo com essa aura de começo de semana pela manhã. A jornada mal começou. E eu já não vejo a hora de dar o toque de recolher para poder voltar para casa. Se ao menos algo diferente acontecesse. Mas, como já disse, hoje é segunda-feira. (*) Carlos Castelo Branco é escritor. |
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