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27 de janeiro de 2002 |
O ano nacional Carlos Drummond de Andrade
Gabriel Perissé
Em 1989, a Casa da Moeda homenageou o poeta de Itabira, que havia falecido dois anos antes, com uma nota de 50 cruzeiros, rapidamente devorada pelo verme implacável da inflação.
Desta vez a homenagem pode também não durar muito, mas pelo menos será mais respeitosa com o nosso poeta. O Senado declarou recentemente que o ano de 2002 será dedicado a celebrar a obra literária de Drummond, e se realizarão inúmeros eventos para lembrar-nos que o escritor mineiro completaria este ano um século de vida. Drummond não é apenas um dos mais importantes nomes da literatura brasileira de todos os tempos. Sua poesia, como toda a poesia feita com radicalidade, influi invisivelmente em nosso idioma, em nossa fala, em nosso comportamento, em nossa maneira de estar no mundo, em nosso imaginário, em nosso sistema de convicções e valores. Ler e reler Drummond é aprender a pensar com ironia, com sutileza, com uma leve ou por vezes cáustica amargura, com alguma esperança risonha, mas logo de novo com a certeza de que amar costuma ser amargo mesmo, e conviver um exercício difícil. Não, Drummond não era um pessimista. Os grandes poetas não são otimistas nem pessimistas. Essas categorias podemos reservar talvez aos panfletários. Drummond simplesmente fazia o que fazem os operários da palavra, que acordam cedo, tomam seu café com pão, e se dirigem para o campo das metáforas, das rimas, das imagens. Drummond operava como trabalhador braçal, escavando ali, construindo aqui, reunindo as pedras no meio do caminho... mas também como cirurgião, abrindo corpos e almas, e também como os santos... que operam milagres. O ceticismo drummondiano, que no final da vida levou-o a declarar que nada conquistaria sua adesão, nem partidos políticos ou qualquer proposta social, era a sua manifestação niilista, sim, à primeira vista, mas como que o avesso denunciador das nossas tolas euforias. O milagre da poesia está em nos fazer vislumbrar o essencial, e atravessar as frustrações, as decepções, os maus momentos, e o medo, com os olhos fixos no claro enigma. O medo! Drummond, num poema, contou-nos que o medo, "nosso pai e nosso companheiro", é também nosso destino: morreremos de medo! Mas depois, em outros versos, reage: "os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio... Havemos de amanhecer". Gabriel Perissé é autor dos livros "Ler, pensar e escrever" (Ed. Arte e Ciência) e "O leitor criativo" (Omega Editora). |
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