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La insignia
24 de dezembro de 2002


Modos de pensar


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, dezembro de 2002.

Posso escrever este texto, digitando em um teclado de computador, porque meus músculos recebem comandos neurais que me permitem a maravilha da escrita. Junto letras, formo palavras, frases e parágrafos. Pontuo e retorno ao texto, efetuo correções, até considerá-lo pronto para ser enviado ao editor. Despejo na tela fragmentos dos pensamentos que tenho no momento que me disponho a escrever. Tenho, ao mesmo tempo, que resolver problemas de forma e conteúdo, garantindo a legibilidade e o interesse do eventual leitor. Trata-se de multifunções desenvolvidas simultaneamente, procedimentos que nenhuma máquina conhecida pode, a não ser como um simulacro, mimetizar.

Penso, logo existo é a frase famosa de Descartes, escrita na busca incessante de inúmeros pensadores em deslindar o quê, por quê e para quê os homens e as mulheres pensam. Sob o ponto de vista biológico, pensamos porque temos uma rede neural, com vários centros controladores instalados no cérebro. Este fato biológico nos permite captar, por meio dos sentidos, a realidade exterior, processá-la, armazená-la como impressões do mundo apreendidas e mais ou menos hierarquizadas. Também podemos usar o que temos guardado para pensarmos independentemente ou dependendo, tanto faz, das conexões com o que se passa fora de nós.

Esta capacidade humana é fruto de milhões de anos de evolução natural e algumas dezenas de milênios de evolução social e histórica. Somos seres que combinaram a materialidade da existência biótica com a intervenção nesta, por meio do trabalho. Nossa inteligência permitiu-nos encontrar inúmeras variações, adaptações e fusões com os demais seres vivos terrestres e com a matéria inanimada de origem cósmica, da qual também pertencemos.

Viemos da poeira das estrelas e de modo lento, desordenado, casual e caótico chegamos a adquirir consciência de nós mesmos, como nenhuma outra espécie conseguiu obter. Isto não nos torna melhores ou piores, somos apenas diferentes e, ao mesmo tempo, similares aos demais elementos dos reinos da vida animal e vegetal. Fazemos parte, tal como o atual mapa do genoma humano demonstrou definitivamente, de uma só família, nascida na mãe África, que fecundou o planeta, espalhando seus filhos pela superfície terrestre.

Como viemos do caos natural, existem inúmeras possibilidades de estruturação e ordenação da vontade ou de, simplesmente, 'enlouquecer' como uma chuva de meteoros. Nada está definitivamente escrito sobre o que podemos pensar. Temos que resolver, pensando também este problema. Em um passado remoto, usávamos a mente para caçar e colher. Chegamos à agricultura, às cidades, ao Estado e à exploração do homem pelo homem. Conseguimos estruturar nossos signos vocais, corporais e gestuais na forma gráfica até a criação da escrita, da matemática e das diversas manifestações artísticas. Hoje temos que discutir porque pensamos e como tirar o melhor proveito desta nossa habilidade.

Nada disto ocorreu de modo linear e ao mesmo tempo para todos os segmentos populacionais da família humana. As diferenças foram usadas para outro tipo de ordenação: a dominação de povos e a imposição de crenças e costumes aos outros. Ao dominar, os vencedores assimilaram a cultura dos dominados, dizendo a estes que a partir deste fato eles seriam outros. Simultaneamente, os dominadores também se transformaram, por terem incorporado a cultura dos dominados, mesmo que através do processo de negação.

Normalmente, pensa-se que isto é coisa do passado. Mas, basta olhar em volta e ver que o processo continua se repetindo, com novas formas e conteúdos. A investida de mundialização, que alguns chamam de 'novo império', tem características dessa natureza, buscando-se a redução dos mais frágeis às crenças e aos costumes dos mais fortes. Tal como sempre, o poder do dominador tem limites claros e, mesmo que não queira, ele tem que conviver com a emergência de diversos modos de pensar.

Nossos modos de pensar, para além de suas complexidades histórico-naturais-sociais, conduzem-nos em múltiplas direções. O 'natural' do pensamento ficou restrito à combinação genética que nos dá esta capacidade. O resto a sociedade constrói ou destrói artificialmente, promovendo a inteligência ou a alienação, ou ainda, mais freqüentemente, as formas e os conteúdos ambíguos e paradoxais que caracterizam a humanidade.

Os modos de pensar dos homens e das mulheres são compreensíveis, quando examinamos como eles vivem, o que aprenderam de fato em suas culturas, o que lhes disseram sobre o passado e o que pode ser o futuro. Quando é possível ver as imbricações entre o subjetivo e o objetivo do mundo da vida, torna-se factível entender porque tantas religiões, conhecimentos contraditórios, ideologias políticas, morais distintas e, sobretudo, formas de conceber e viver a vida.

O 'natural' permanece nos genes que continuam nos organizando por meio da autopoesis. O 'artificial' é o nosso complemento e tributo da consciência. Esta junta cada indivíduo ao seu grupo, torna-o parte e expressão de um todo, por mais que o individualismo faça crer que não há conexões. Conclui-se que é possível construir novos modos de pensar, quando descobrimos que os que estamos usando não nos satisfazem.



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