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La insignia
8 de dezembro de 2002


Não tropece na língua!

Gerundismo e endorréia


Maria Tereza Piacentini (*)
Língua Brasil, dezembro de 2002.


"Sobre o artigo acima [nº 120] gostaria que desenvolvessem mais o tema, pois o uso do gerundismo está absolutamente difundido. Às vezes assisto a palestras e acabo prestando mais atenção à forma que ao conteúdo tamanho é o uso do gerundismo. Doem meus ouvidos." Graça, São Paulo/SP

Também o leitor Joilson Leal, de Belo Horizonte/MG, se interessa pelo tema e pergunta: "Qual o macete para descobrir o gerundismo e não entrar nesse horror?" Se o gerundismo é fenômeno lingüístico relativamente recente no Brasil, não o é a endorréia - "é assim que os puristas chamam ao abuso do gerúndio e ao seu uso pouco vernáculo", informa Rodrigues Lapa, em Estilística da Língua Portuguesa (1959:177). Esse nome um tanto esdrúxulo provém da formação do gerúndio nos verbos da segunda conjugação [vender - vendendo] e chama a atenção para um excesso que chega a soar mal aos falantes do português europeu.

Dizem que a endorréia é francesismo. Já o gerundismo é atribuído à influência do idioma inglês no Brasil. Seria uma tradução malfeita de "I am going to do something" [literalmente: Estou indo fazer algo], ou então a tradução ao pé da letra de um futuro muito usado pelos americanos: "We will be sending you the catalog soon", que se pode traduzir por "Nós estaremos lhe enviando o catálogo em breve", ou melhor, "Nós lhe enviaremos...", ou ainda, "nós vamos lhe enviar o catálogo..., sem se precisar da fórmula Nós vamos estar lhe enviando.

Esta construção abusiva do gerúndio é muito utilizada nos serviços de atendimento ao cliente por telefone e telemarketing, e nesse caso pode se explicar por uma tradução apressada dos manuais que vêm do exterior. Mas ela se repete em inúmeras outras circunstâncias porque de fato entrou no gosto do brasileiro - veja-se a endorréia tão nossa!

De qualquer modo, há que se distinguir o bom do mau emprego gerundial. "O problema consiste em saber se de fato o uso do gerúndio traz vantagem estilística sobre os outros processos" (idem, p. 178). Vale dizer que ele é muito apropriado nos casos em que se necessita transmitir a idéia de movimento, de progressão, duração, continuidade.

É correto, então, nestes exemplos (reais):

1) Em virtude do atraso, estaremos recebendo o pagamento em conta corrente nos dias 27 e 28.

2) - Podemos nos encontrar no fim-de-semana?

- Infelizmente não, pois vou estar viajando. [ou: estarei viajando]

3) Em outros artigos ela estará dando maior atenção a cada um desses temas.

4) Ela deve estar fazendo as tarefas de casa agora.

É abusivo - gerundismo - nos seguintes casos:

5) Vou aproveitar o 13º para estar pagando tudo. [devemos trocar por: para pagar]

6) Concomitantemente, temos que estar discutindo e reconstruindo um currículo escolar que venha a ser um instrumento de formação integral. [temos que discutir e reconstruir]

7) Estes temas devem servir para estarmos aprofundando as discussões. [para aprofundarmos]

8) Nossos atendentes vão estar efetuando a cobrança somente em maio. [vão efetuar = efetuarão]

Repetindo o que vimos em coluna anterior ("Gerundismo") e considerando as frases acima: evita-se o gerundismo ao fazer a troca da locução verbal ESTAR + GERÚNDIO por um simples INFINITIVO (flexionado ou não), desde que não se trate efetivamente de uma ação durativa, como nos exemplos 1 a 4.


(*) Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", é diretora do Instituto Euclides da Cunha - www.linguabrasil.com.br



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