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19 de agosto de 2002 |
Rodrigo Gurgel (*)
Em 1925, recém-emigrado para a Argentina e trabalhando como professor de Castelhano e de Literatura Geral do Colégio Nacional da Universidade de La Plata, o dominicano Pedro Henríquez Ureña proferiu uma conferência, naquela mesma universidade, que se tornaria um dos marcos do pensamento utópico latino-americano.
Aos 42 anos, vivendo um momento de plenitude intelectual, segundo seus estudiosos, e tendo acompanhado de perto um período significativo da Revolução Mexicana, desde seu início, em 1910, Ureña lança as bases intelectuais do que deveria ser, para a América Latina - como foi, para o México, a luta contra o ditador Porfirio Díaz -, um processo de profunda e visceral renovação. Partindo de dois fundamentos essenciais, a cultura e o nacionalismo, Ureña redesenha os horizontes de uma utopia latino-americana, desprendendo-se de ideais nacionalistas que pudessem ser entendidos numa configuração meramente geográfica e, portanto, limitadora, para alcançar um pensamento francamente universal. Assim, quando fala de cultura, refere-se à cultura popular. E, quando fala de nacionalismo, defende o nacionalismo da arte e do pensamento. Cultura e nacionalismo, no entanto, repito, supranacionais, já que, para ele, a América era formada por "povos destinados a unir-se, cada dia, mais e mais". Relembrando a Grécia clássica e o Renascimento italiano como períodos de importante inspiração, Ureña salienta, inclusive, que esses diferentes momentos históricos teriam uma lição fundamental a ensinar-nos: a de que "a desunião é o desastre". Esse, aliás, é um pensamento que permeia a conferência do início ao fim, pois o dominicano reafirma, em certo momento, num tom imperativo: "Nunca a uniformidade de imperialismos estéreis; sim, a unidade, como harmonia das múltiplas vozes dos povos." As palavras de Ureña são um convite explícito a que olhemos para nós mesmos, aproveitando-nos de nossas próprias experiências e tendo a coragem de concluir que é a cultura, esse patrimônio inalienável, que pode transformar-se na melhor trincheira, na mais perfeita casamata, para a defesa da América Latina: "Em cada uma de nossas crises de civilização, é o espírito quem nos salvou, lutando contra elementos aparentemente mais poderosos; o espírito somente, e não a força militar ou o poder econômico." Acostumado às constantes crises políticas que presenciou em diferentes países, ele alerta para o caráter efêmero do poder e aponta os itens que deveriam compor um verdadeiro avanço rumo à utopia: dar o alfabeto a todos os homens; fornecer os instrumentos necessários para que todos trabalhem pelo bem de todos; buscar a justiça social e a liberdade. Refutando a idéia de que a utopia é um "jogo vão de imaginações pueris", Ureña busca um tempo no qual "o homem deverá chegar a ser plenamente humano, deixando para trás os estorvos da absurda organização econômica em que estamos prisioneiros e o lastro dos prejuízos morais e sociais que sufocam a vida espontânea". Ao reler, nos dias de hoje, essa "La Utopía de América", é impossível não compará-la a um outro texto, igualmente importante para todos os que desejarem refletir sobre a unidade latino-americana e, principalmente, lutar pela gestação de uma nova utopia, tão necessária atualmente. Refiro-me a "La Unidad de la América Indoespañola", do peruano José Carlos Mariátegui, contemporâneo de Ureña. Escrevendo em 1924, Mariátegui traça uma linha de pensamento que, certamente, deve ter inspirado o ensaísta dominicano. "De uma região da América espanhola a outra região variam as coisas, varia a paisagem; mas quase não varia o homem", afirma ele, para concluir: "E o sujeito da história é, antes de tudo, o homem. A economia, a política, a religião, são formas da realidade humana. Sua história é, em sua essência, a história do homem." Esse mesmo homem, para Ureña, era o único capaz de descobrir que, individualmente, pode ser melhor do que é, e, socialmente, pode viver melhor do que vive. E exatamente essa capacidade crítica seria a alavanca capaz de forçar-nos a, averiguando "o segredo de toda melhora, de toda perfeição", julgar e comparar, buscar e experimentar. Ou seja, eleger a prática como único referencial possível a qualquer reflexão crítica e a qualquer mudança significativa da realidade. Acreditando no homem como principal motor da história, mas no homem voltado às suas raízes culturais e aos valores verdadeiramente populares da cultura, Pedro Henríquez Ureña - morto subitamente, em 1946, aos 61 anos, em plena ascensão do peronismo - faz-nos um convite explícito a mudarmos os rumos excludentes e alienantes do presente, chamando-nos, primeiro, a olhar o passado e criar a história. E, depois, dando-nos um ultimato: "Olha o futuro, e cria as utopias." (*) Ensaísta e editor. |
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