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26 de abril de 2002 |
Brasil Benedita e Garotinho, o amargo fim de uma lua-de-mel política
Maurício Thuswohl
As divergências entre a gestão anterior e a atual no RJ dissipam as chances de aproximação entre Benedita e Garotinho. Chega ao fim uma relação que começou em 1994, quando ele era candidato ao governo do Estado, ainda pelo PDT, e ela, ao Senado, pelo PT.
Rio de Janeiro - Se alguém ainda tinha dúvidas de que a lua-de-mel política entre a governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva (PT), e o ex-governador e pré-candidato à Presidência da República Anthony Garotinho (PSB) havia acabado, elas se dissiparam nestes primeiros 20 dias passados pela petista à frente do governo do Estado. Neste período, surgiram inúmeras divergências entre a administração anterior e a atual. Problemas que vão desde a acusação mútua de irresponsabilidade fiscal até o questionamento sobre eventuais irregularidades nos programas sociais do governo, passando pelo projeto de ampliação do Metrô, pela manutenção do já famoso Piscinão de Ramos etc. Antes mesmo da posse de Benedita, no dia 6 de abril, o clima entre os dois partidos no Rio já era de guerra. O grupo de transição governamental, criado pela então vice-governadora e coordenado pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares, acusou Garotinho e seu secretariado de sonegarem informações, deixando a equipe petista completamente no escuro quanto à situação administrativa e financeira do Estado. O então governador retrucava, dizendo que todas as informações sobre o governo estavam à disposição do grupo de transição, e que o PT estava apenas usando uma desculpa, tentando justificar previamente junto à população o provável fracasso que conheceria no governo do Rio. Nas duas semanas que antecederam a desincompatibilização de Garotinho, mais tiroteio verbal. Em companhia da primeira-dama Rosinha Matheus - que será adversária de Benedita nas eleições de outubro - o governador visitou os conjuntos habitacionais da Zona Oeste, um de seus principais redutos eleitorais, para alertar a população sobre a "irresponsabilidade fiscal" do PT: "Vocês têm que vigiar, porque senão eles, que são incompetentes, não vão dar continuidade às obras nem pagar o 13º salário", disse. A cúpula petista no Rio retrucava, dizendo que Garotinho fazia estas afirmações porque sabia que já havia consumido a quase totalidade do orçamento previsto para 2002 em apenas três meses, deixando um rombo nas contas públicas "que poderia chegar a R$ 1 bilhão". Em seu último dia no governo, Garotinho apresentou um extrato bancário, mostrando que deixava R$ 1,2 bilhão em caixa para sua sucessora. As acusações mútuas de irresponsabilidade fiscal fizeram com que Benedita da Silva conseguisse do Tribunal de Contas do Estado um compromisso inédito. Ela terá os nove meses de seu governo auditados separadamente pelo TCE, que publicará pareceres específicos sobre sua administração e sobre a anterior. Normalmente, o tribunal leva em conta o exercício fiscal (doze meses), sem se importar se o chefe do executivo mudou no período. O presidente do TCE, José Graciosa decidiu ainda solicitar para análise a auditoria sobre as contas do governo que Garotinho pediu, deliberadamente, à empresa Ernst & Young. Ele criticou a iniciativa do ex-governador: "Minha análise será um procedimento de rotina, mas a prática inaugurada {por Garotinho} não é boa. Para isso, existe o TCE", disse. A auditoria encomendada por Garotinho, é claro, não poderia deixar de criar celeuma entre os petistas. Apesar de o ex-governador ver no gesto "um inédito ato de desprendimento de um governante que não tem o que esconder", alguns parlamentares do PT se queixaram do relatório, que tem 494 páginas e custou R$ 788 mil aos cofres públicos: "A auditoria é um relatório inócuo, que se limitou a compilar os dados da gestão Garotinho", disse o deputado estadual Chico Alencar. Nova governadora decide tomar medidas preventivas Sem ter ainda uma noção exata do que era mentira ou realidade nas contas do governo ao assumir, Benedita decidiu tomar algumas medidas preventivas. No primeiro dia no cargo, pediu a todo o secretariado um relatório sucinto sobre a situação administrativa e financeira de suas pastas e determinou, através de dois decretos publicados no Diário Oficial, o corte de R$ 720 milhões nas despesas administrativas de custeio e capital. O secretário estadual de Controle, Renê Garcia, justificou o corte: "Essa economia servirá para que não atrasemos o pagamento dos servidores e possamos atender a demanda do 13ª salário", disse. Outra medida da governadora foi retirar da pauta de votação da Alerj oito projetos enviados por Garotinho e que determinavam aumento de salários para diferentes categorias de servidores estaduais. A medida que mais irritou Anthony Garotinho, no entanto, foi a decisão da governadora de reavaliar 20 programas de incentivo fiscal à empresas privadas que vigoravam no Estado: "O atual governo está quebrando o pacto de confiança firmado entre o meu governo e a classe empresarial. Foi por isso que a Ford foi embora do Rio Grande do Sul", disse, fazendo alusão ao episódio acontecido em 2000, quando a montadora deixou de se instalar em terras gaúchas após ter suas vantagens fiscais revistas pelo governador petista Olívio Dutra. Benedita respondeu, garantindo que a decisão não promoveria nenhuma caça às bruxas: "Se trata de um recadastramento, um procedimento de rotina. Apenas buscarei conhecer a demanda de cada região e ver se a empresa beneficiada está cumprindo os critérios exigidos para receber a isenção", disse. No início, tudo eram flores A lua-de-mel entre Garotinho e Benedita começou em 1994, quando ele era candidato ao governo do Estado, ainda pelo PDT, e ela candidata ao Senado pelo PT. Naquele ano, o espetacular desempenho de Benedita nas urnas - teve mais votos que qualquer candidato a governador - somado ao pífio desempenho do candidato petista ao governo, Jorge Bittar - que chegou em quarto lugar - aproximou os dois. Ao disputar o segundo turno com Marcello Alencar, Garotinho teve o apoio oficial de Benedita, já senadora eleita, e quase venceu o então candidato tucano. O detalhe é que, para manifestar publicamente seu apoio ao novo amigo, Benedita contrariou uma decisão regional do PT, que havia deliberado pela chamada ao voto nulo naquele pleito. Com a conversão de Garotinho à religião evangélica, após um acidente de carro, os laços entre ele a também evangélica Benedita se estreitaram. Eleito prefeito de Campos em 1996, Garotinho teria vitória assegurada nas eleições seguintes para governador se fizesse uma aliança com a petista. Foi o que aconteceu, para desespero de boa parte dos militantes do PT no Rio, que preferiam a candidatura própria. Mas, com o decisivo apoio de Lula e da direção nacional do partido à aliança, Benedita foi ungida vice-governadora na chapa vitoriosa nas eleições de 1998. Uma vez dividindo o mesmo teto no governo, as diferenças entre Benedita e Garotinho começaram a aparecer. Em pleno processo de formação do seu projeto político - que incluiria a transferência do PDT para o PSB - o governador viu aumentar os pontos de tensão com o PT na administração fluminense. Enquanto alguns parlamentares petistas já pediam a saída do governo, por considerarem que o programa da aliança não estava sendo cumprido, outros procuravam mudar o rumo da administração ao tentar obter mais espaço nos primeiro e segundo escalões do governo. Foi aí que ocorreu um divisor de águas: pressionado pelo deputado federal Carlos Santana, então presidente regional do PT, que queria mais espaço para o seu grupo político, Garotinho convocou a imprensa e chamou o PT de "partido da boquinha" por estar apenas preocupado com cargos. A partir desta declaração, a relação entre os dois partidos foi azedando até que, em abril de 2000, o PT formalizou sua saída do governo e ida para a oposição numa reunião que contou com a presença do presidente nacional do PT, José Dirceu. Durante o processo de ruptura da aliança, Garotinho e Benedita continuaram se dando bem e chegaram a declarar conjuntamente sua tristeza pelo o que estava acontecendo. Com o passar do tempo e a intensa atuação dos parlamentares petistas na oposição estadual, o encanto se perdeu. Em setembro do ano passado, Garotinho declarou que Benedita, em conjunto com a ONG Ação da Cidadania Contra a Fome, teria "dado sumiço" em R$ 500 milhões destinados a programas sociais do governo. A acusação foi desmentida mais tarde pelo governador mas, a partir daí, sua relação com Benedita esfriou de vez. Agora, como um casal divorciado que se odeia, trocam acusações e farpas através dos jornais. |
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