Portada | Directorio | Buscador | Álbum | Redacción | Correo |
15 de abril de 2002 |
Venezuela O retorno de Jedi
Laerte Braga
A volta de Hugo Chaves ao governo da Venezuela é um fato surpreendente,
considerada a história do golpismo militar associado aos interesses das
elites, em toda a América Latina. A imensa maioria dos analistas,
literalmente, quebrou a cara, ao acreditar, como eu acreditei, que o
fato estava consumado e que os sinais de fumaça emitidos naquele país,
erma cinzas, um cinza escuro e nebuloso, com péssimas perspectivas para
todos nós.
Não quer dizer que não sejam assim. Mas uma outra realidade pode ser aferida e, a partir da também surpreendente reação popular. A primeira constatação que faço é os órgãos de comunicação de massas, braços das classes dominantes, fizeram coro ao golpe e procuraram tratá-lo como reação popular a um “governo equivocado”, como fez, aqui no Brasil, o “Jornal Oficial”, vulgo “Jornal Nacional”, na edição de sexta-feira, dia 12, ao falar das oportunidades que o povo teria de “perceber o erro na escolha de candidatos que prometem o que não poderão cumprir”. Foi o recado típico de que “ruim com FHC, pior sem ele”. Ou seja: Serra para presidente. E FHC apoiou o golpe. Tal e qual apoiara a reeleição de Fujimori, a segunda. A reação do governo brasileiro, sugerindo o retorno a democracia, veio quando foram percebidas as reações e tornou-se inevitável a volta do coronel Chaves ao governo. Ou o noticiário de hoje, domingo, em que vários órgãos da imprensa falam que o governo dos Estados Unidos desestimulou o golpe. Considerava que Chaves fora eleito, na verdade eleito e confirmado e isso contrariava a política norte-americana de apoio a democracias. As velhas mentiras. Foi só remendo nos estragos das primeiras declarações do Departamento de Estado e do reconhecimento, imediato, do governo golpista de Carmona. Acho que ninguém em nenhum lugar do mundo tem dúvidas quanto à participação dos Estados Unidos no golpe e pela via tradicional: CIA. A aliança entre militares golpistas e elites. A “Folha de São Paulo” fala que Bush recebeu o golpe como presente para seu governo e seu país. O cara é um cínico. Os fatos, no entanto, não deixam de exigir meditação sobre os passos de Chaves e seu equívocos. Surge, agora, chance de retomar um processo revolucionário, chance ímpar, diga-se de passagem. Não há lugar para revanchismos, como disse o presidente em seu primeiro pronunciamento após retornar, mas não há lugar para vacilos ou acordos com as elites. A Venezuela é um dos países como maior concentração de renda e terra do mundo inteiro. Em qualquer circunstância que tente mudar essa realidade, as elites vão reagir e vão sempre contar com o apoio de setores das forças armadas. Elites são elites em qualquer lugar do mundo e no caso da América Latina são primitivas em sua ação. Não respeitam coisa alguma. São atrasadas em todos os sentidos. A hipótese de um acordo de Chaves com grupos militares para atenuar algumas medidas de seu governo também não está fora de cogitações. E nem pode. Mas isso é esperar para ver. Eu, particularmente, não creio. Chaves sabe que foram “os pobres” que o recolocaram no governo. As classe média e elites estavam ao lado de Carmona. Ao que tudo indica a reação ocorreu depois de manifestações espontâneas em vários pontos da Venezuela, o que acabou provocando uma outra reação, essa em cadeia e fez com que setores militares leais a Chaves ou ao chamado processo democrático, pusessem a cabeça de fora e garantissem o retorno mais rápido, até porque, novas mortes começavam a acontecer e a situação ia ficando imprevisível. Ou incontrolável. O país poderia mergulhar numa seqüência de conflitos que não atenderia a ninguém. O presidente do Congresso venezuelano, percebendo isso, soube colocar-se de forma precisa, ocupar os espaços vitais, principalmente a rede nacional de televisão e, assim, ampliar a luta pela volta de Chaves. Acuados, os gorilas e trogloditas (empresários), recuaram. Carmona correu para a proteção de uma base militar golpista. O plano do presidente/empresário era simples: deixar o OPEP, aumentar a produção de petróleo, mesmo que isso não viesse a significar ganhos reais, ou maiores, mas fazer baixar o preço do dito no mercado internacional e, naturalmente, alguns milhões de dólares em sua conta e nas contas dos golpistas. As elites, em qualquer lugar do mundo, sem exceção, sobrevivem assim. Pensam assim. Agem assim. As conseqüências para o resto do continente latino americano são importantes. Muito importantes. Passa a valer aquele dito que “o povo unido jamais será vencido”, desde que haja, efetivamente, povo nas ruas. Foi o que aconteceu na Venezuela. E não se pode esquecer que importantes sindicatos de trabalhadores apoiaram o golpe. O dos trabalhadores na estatal de petróleo foram as ruas exigir a saída de Chaves. Não há porque mudar o raciocínio que sindicatos, em sua esmagadora maioria, hoje, são corporações, defendendo interesses corporativos. É um fato na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Chile, etc. A luta popular processa-se fora do esquema institucional. O que não significa luta armada. Mas como faz o MST no Brasil. Um dos cartazes nas manifestações pela volta de Chaves dizia mais ou menos o seguinte: “os pobres não deixarão Chaves cair”. O movimento popular mínimo na Venezuela e a certeza dos “pobres”, que o governo de Carmona era a podridão de antes, foram decisivos. E claro, o carisma do presidente, indiscutível. Se Chaves vacilar e tentar um programa reformista vai estar andando no fio da navalha, tanto quanto, se tentar implementar um processo revolucionário efetivo. É evidente que isso passa por definir estratégias, buscar apoios, essencialmente compartilhar o poder com a classe trabalhadora, ou os “pobres”. Em qualquer circunstância, reformista ou revolucionário, tem que saber que as classes dominantes vão querer derrubá-lo. Ou os generais, eternos golpistas, achando que o mundo começa e termina no patriotismo “canalha” do inglés Samuel Johnson. E aqui um dado interessante, serve para análises, porque é comum a todos os países latino americanos, de um modo geral. Quando da queda de Allende a primeira preocupação de Pinochet e seus sequazes, com o golpe em curso, foi neutralizar o general Pratts, mais tarde assassinado pela DINA (Polícia secreta chilena), em seu exílio, no Uruguai. Pratts poderia ter sido um complicador para o golpe. Ou no Brasil, em 64. Se Jango tivesse nomeado o marechal Lott para o Ministério do Exército, como sugerido por Tancredo Neves, o golpe não teria prosperado. Militares pensam de forma vertical. Ou seja: são formados no anti comunismo, até hoje acreditam que comunista come crianças, mata velhos, etc, e treinados a obedecer. Quando da deposição/morte de Costa e Silva a junta militar que assumiu promoveu uma eleição dentro dos quartéis para a escolha do futuro ditador. O general Médici concorreu com o general Afonso Albuquerque (acabou ministro do Interior) Médici representava a ala mais atrasada, ou era apoiado por ela, pois facilmente manipulável. Albuquerque, tinha o tal viés nacionalista, mas era considerado de linha dura. Havia uma divisão entre os militares. E mesmo em 64 mais de 2500 oficiais e sargentos foram afastados. Um único tiro que fosse disparado em reação ao golpe, talvez tivesse mudado a história. Esses fatos não absolvem as forças armadas dos horrores cometidos, em todos os lugares onde aconteceram golpes, nem afastam a natureza golpista dos militares. É apenas um registro. Há uma parcela que poderíamos chamar de “maioria silenciosa”, que prefere ficar fora do esquema e ater-se aos chamados deveres profissionais. Como há aqueles, minoria, que entendem o processo político e não hesitam em assumir o caminho revolucionário no sentido socialista da palavra. É possível, é preciso esperar mais um pouco para não queimar a língua, que os militares leais a Chaves tenham acordado e saído do silêncio, ao perceberem que estavam acontecendo manifestações pró-Chaves e a situação evoluía para um confronto entre partidários do presidente e os do empresário comprado pelos donos do petróleo no mundo: classes médias (comem arroz com feijão e arrotam maionese) e elites. A impressão que se tem é mais ou menos aquela de Muhamad Ali, depois da luta em que nocauteou George Foreman, surpreendendo o mundo do box, que o acreditava acabado: “foi simples”, disse Ali, “eu apanhei e corri dele até o sexto round. Senti que no sétimo era a hora. Como se alguém tivesse colocado uma faca no meu peito. Eu vou recuando, recuando, enquanto houver espaço para recuar. Quando sinto uma parede às minhas costas, ou resigno-me à morte, ou saio para a luta. Sai para a luta e ganhei”. Para a América Latina inteira, neste momento particularmente Argentina, Colômbia e Equador, a volta de Chaves é como o “Retorno de Jedi”. Mostra o caminho. A luta popular é decisiva. Pode alcançar seus objetivos. E preciso que isso aconteça. Chaves tem responsabilidades nesse processo. Os olhos dos “pobres” vão estar postos sobre ele. Imensos, arregalados. Na expectativa de que a revolução se faça, sem os salamaleques do clube de amigos e inimigos cordiais que optam pela chamada luta institucional. O que se viu foi resistência. O que a resistência gerou, a partir da volta de Chaves, foram condições objetivas para um governo popular. Encher de idéias um negócio meio confuso de “revolução bolivariana”. E levá-la a cabo. Vai ter sempre um Carmona da vida pronto a levar uns trocados por debaixo dos panos. Empresários vivem nesse mundo. Elites são assim: podres, corruptas, primitivas, quando se fala de acabar com seus privilégios. |
||