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La insignia
9 de abril de 2002


Brasil

Eu me acuso


Cristovam Buarque (*)
Linha Aberta. Brasil, 7 de abril.


Em 1998 fui condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal porque as placas de obras do meu governo tinham marcas dos nossos programas. Eram eles "Brasília Legal, contra a ocupação irregular e a doação populista de terra pública; e "Saúde em Casa", que levava médicos e agentes de saúde para perto de praticamente toda a população carente do Distrito Federal. Todas tinham a marca Governo Democrático e Popular. O TRE considerou que isso era promoção pessoal.

Eu me acuso de ter usado essas marcas. Apesar de ter tido o cuidado até mesmo de proibir o uso de minhas fotos nas repartições públicas, como é tradicional, eu autorizei o uso dessas marcas dos programas. Ao mesmo tempo que me acuso, eu protesto. O TRE do Distrito Federal me tratou como um cidadão de segunda classe em comparação com aqueles que eram governadores ou presidente no Brasil naquele ano. Todos usaram e ainda usam suas marcas sem que isso seja considerado promoção pessoal. O atual governo do Distrito Federal pintou os muros das repartições públicas, mudou a cor do banco do Estado, pintou até Papai Noel e pombos da paz em azul, a cor da campanha do governador. Mas no DF ele pode, lá tem duas leis. O governador chegou ao ponto de anunciar que seus eleitores ficassem tranquilos porque os desembargadores do Distrito Federal rasgariam os processos que chegassem lá contra ele.

Eu me acuso de ter protestado na época da decisão do TRE. Acuso-me de, em vez de ficar calado, ter lembrado ao povo que cumpriria a decisão, mas a considerava absurda, e de ter lembrado que o presidente do TRE, que devia ser o juiz imparcial do processo eleitoral, assumiu fazendo discurso político com nítida opção partidária contra mim.

Apesar de meu protesto, eu não me acuso de ter desobedecido à determinação. As placas foram cobertas. Eu me acuso, entretanto, de não ter conseguido fazer cobrir absolutamente todas as milhares de placas, e ao deixar meia dúzia delas esquecidas no meio do cerrado do planalto Central, ter dado argumento para uma segunda condenação, por desobediência.

Além da inelegibilidade nas eleições deste ano, a pena contempla também a prisão por três meses e uma multa de R$300. Estou impedido pelo TRE de disputar uma eleição para a qual o meu partido me escolheu, por uma desobediência, que não cometi, a uma ordem arbitrária dada pelo TRE e que nem tramitou em julgado ainda. O que aconteceria com o sistema judicial eleitoral brasileiro se eu me recusasse a apelar ao Tribunal Superior Eleitoral por causa da suposta desobediência, fosse preso, pagasse a multa, ficasse impedido de disputar a eleição e, depois, o TSE julgasse improcedente a decisão preliminar do TRE determinando a cobertura das placas? Eu teria sido punido duramente por desobediência a uma ordem sem cobertura legal. Eu me acuso de não ter ficado calado, como fui recomendado por advogados e amigos, por ter denunciado esse fato como uma perseguição de alguns membros do TRE do Distrito Federal contaminados nas ligações promíscuas com o ex-senador cassado e com o atual governador.

Mas eu entrei na política para ajudar o povo brasileiro a levantar a cabeça e conquistar a Justiça, não para baixar a minha ao que há de arbitrário no Poder Judiciário. Ao escrever isso, estou outra vez desatendendo a todos os conselhos de assessores e advogados.

Eu me acuso, portanto, de não ter mantido a discussão dentro dos fóruns e do bom comportamento submisso, porque o julgamento ao qual estou submetido é político, não é jurídico. Eu me acuso de ter contestado a humilhação oferecida para transformar a pena de prisão em serviço comunitário, dizendo que, se condenado em última instância, cumprirei a pena de prisão. Acuso-me de contestar esse instrumento de uma Justiça que despreza de tal forma os excluídos brasileiros que usa crianças e velhos como objetos para criminosos cumprirem suas penas.

Que Justiça é essa que, no lugar da cadeia, coloca criminosos para atender crianças em creches e velhos em abrigos de pobres? Eu me acuso de estar defendendo minha dignidade ao não deixar transformar em pena o que faço por solidariedade. Não vejo em um tribunal de Justiça o direito de me humilhar, ao me condenar a fazer por pena o que eu faço por opção e solidariedade. Eu me acuso de ter dito publicamente esta frase anterior. Acuso-me de, com posições como esta, estar ameaçando o sonho de milhares de brasilienses que acreditam nas minhas propostas, que desejam minha cara como a sua no Senado Federal.

Ao denunciar em vez de conciliar, acuso-me de poder estar jogando, devido ao corporativismo, a imensa maioria de juízes e juízas decentes de nosso país nos braços dos outros poucos. Acuso-me de, ao assim fazer, com consciência do que faço, correr o risco de ver cassada a possibilidade de ajudar o Brasil de uma maneira mais intensa, graças a um mandato parlamentar. Mas eu preciso agir assim, para não me acusar de omissão.


(*) Cristovam Buarque, 58, doutor em economia e professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), foi governador do Distrito Federal pelo PT (1995-98). É presidente da ONG Missão Criança e autor, entre outras obras, de "A Segunda Abolição" (editora Paz e Terra). Publicado pela Folha de S.Paulo em 7/4/2002



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