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4 de abril del 2002 |
Crise na Argentina A fe de um povo
Rolando Lazarte (*)
Há uma notavel distorsão informativa no que diz respeito ao que está se vivendo na Argentina. Os jornais televisivos que informavam sobre o primeiro panelaço, o de 20 de dezembro de 2001, que pôs na rua o presidente De la Rua, mostravam cenas de saques em supermercados e outras lojas, repressão policial, vandalismo. Quem via, do exterior, as notícias sobre o protesto em Buenos Aires, não tinha dúvida: Argentina pegava fogo. Houve repressão, sim. E saques, também. Mas as autoridades -incluindo o ex-presidente De la Rua e seu ministro Cavallo, ademais do chefe da Polícia Federal autora da represão- estão respondendo a processo na Justiça pela violência que ceifou mais de 30 vidas.
É difícil -senão impossível-- resumir em poucas linhas o que vêm ocorrendo na Argentina desde o dia 20 de dezembro de 2001. O movimento das assembléias de bairro, inspirado na experiência da gestão do orçamento participativo em marcha em Porto Alegre, vêm se extendendo pelo país afora, com muitas variações de lugar para lugar, de cidade para cidade, de bairro para bairro. A perda de legitimidade das autoridades políticas -presidentes, governadores, legisladores, juizes, vereadores-ou, para dizê-lo nas palavras da população levantada: dos "políticos", coloca um sinal de interrogação quanto ao futuro do país de Borges e Cortázar, Gardel e Mercedes Sosa. O ilegítimo presidente Duhalde prossegue, com uma inércia espantosa, na execução dos gestos de uma comédia que já terminou: endividar mais o país, aumentando uma "dívida" externa fajuta, ilegítima, selvagem. Ler, a este respeito, a entrevista do premio Nobel da Paz, Pérez Esquivel na revista Cadernos do Terceiro Mundo. Moratória não: auditoria na dívida externa, isso sim. Pagar o que se deve, e não o que os bancos querem impor, com a cumplicidade dos políticos locais ladrões. O "colapso da Agentina", anunciado e repetido insistentemente pelas manchetes da impensa brasileira, não esconde a satisfação daqueles que lucram com a exploração dos povos, o sacrifício dos trabalhadores, a alienação das pessoas não importa a qual classe social pertençam. Não existe colapso da Argentina. É o fim, isso sim, de um sistema de roubo institucionalizado. De um sistema de dominação oligárquica avesso a qualquer ética, a qualquer fidelidade, a qualquer outra lealdade que não seja a da própria conveniência, chame-se lucro, gorjeta, comissão, privilégio, ou o nome que se queira ou possa dar. É o fim das ideologias, dos partidos, das instituições, das lideranças. As pessoas voltam a acreditar -ou o fazem por primeira vez-em si mesmas, na sua própria capaciade de ver, agir e sentir. Já ninguém vai lhes dizer o que devem fazer ou por que devem ou não agir, pensar ou sentir assim ou assado. Os argentinos foram ludibriados na sua fé na democracia. Foram enganados na sua confiança nas instituições políticas: partidos, parlamento, presidência, governação, pefeitura. As ideologias, as filiações partidárias, nada querem dizer em um país em que radicais e peronistas, católicos e ateus, civis e militares, ao chegarem ao poder, invariavelmente exercitaram-no em beneficio próprio, pessoal, particular, da camarilha. Nunca do setor social que os elegeu ou que lhes tinha dado legitimidade. Assim, Mendes implanta o receituário dos EEUU-ONU-FMI à risca, contrariando tudo que o ideário peronista significava. Vende o patrimônio nacional a preço de banana, desemprega, esfomeia. Tanto quanto o tinham feito o radical Alfonsín ou a ditadura de Videla. Os argentinos se penitenciam: como deixaram acontecer essa expropriação. Por quê não protestaram antes. Protestavam, mas isoladamente, separadamente. Os piqueteiros por lá, os estatais com os salários atrasados por aqui, os aposentados com seus vencimentos recortados por outra parte. Agora, todos protestam, não somente juntos, mas se unindo. E agora protesta também a classe média que teve a poupança confiscada, como no Brasil com o Plano Collor. Os jornais no Brasil falam em calote da Argentina, falência do País, vîolência, ruina, crise. Até a dita "esquerda" brasileira afirma, com todas as letras, que "o que ocorre na Argentina jamais ocorrerá no Brasil". Eles sabem do que estão falando. Este país disse BASTA aos políticos, aos juizes ladrões, à mentira institucionalizada, aos privilégios de parlamentares vendilhões. O que aqui se respira é um ar de renascença, do qual nenhum jornal brasileiro irá falar. Mas nós, que acreditamos na Argentina, temos a obrigação de dizer o que se passa por estas bandas. As pessoas voltaram a acreditar em si mesmas. Não se derrubam presidentes por mero esporte. Nem se pede a demisão da Suprema Corte de Justiça por qualquer aversão à Justiça. É que o povo se cansou dos privilégios, da corrupção, da mentira, da safadeza institucionalizada. E isto não convêm aos políticos brasileiros, é óbvio. Vai que o exemplo pega. Há na nova Argentina, algo que os jornais brasileiros negam: esaperança. Confiança do povo em si mesmo, mais do que em ideologias (não há nenhuma por trás dos protestos que reduziram remunerações de vereadores em Mendoza, oeste do país) ou líderes ou partidos. Esse sentimento de re-fundação da Argentina está misturado com incertezas sobre os rumos do país, sim, e há medos de retorno militar, por que não. Afinal, este povo têm memória e dignidade, e soube encurralar os assassinos vendepátrias para fora da vida institucional, há pouco tempo atrás, eliminando o serviço militar obrigatório. É salutar ver que os políticos estão sendo encurralados pelas pessoas. O povo visualiza neles aquilo que deve sair, o que deve ir embora. Tal como acontece com os militares assassinos, os políticos ladrões não tem lugar na nova Argentina. Quando são identificados nas ruas, as pessoas os vaiam e os obrigam a se retirarem para suas tocas. É lógico: a população passa apertos, sofre desemprego e subemprego, têm salários reduzidos, por qué os sres ladrões de gravata iriam a viver no bem bom? São tempos de alvorecer, meus amigos, e é bom estar neste pedaço da América que, como poucos no Brasil sabem, é um continente e não um país. [*] Sociólogo e escritor. Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba UFPB. Doutor em Ciência (USP, 1993). Autor de "Max Weber: Ciência e Valores" (São Paulo: Cortez Editora, 2001, 2a. edição) Colaborador de Nação Brasileira, El Astillero, A Arte da Palavra, La Insignia, Veneno, La Nacion Line e Los Andes On Line. |
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