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La insignia
22 de abril de 2002


Desafios para a inclusão digital
e a governança eletrônica


José Carlos Vaz (*)
Pólis. Brasil, abril de 2002.


A simples expansão do uso da tecnologia da informação pelos governos, ou a disseminação de aplicações que envolvam diretamente os cidadãos em suas relações com os governos não significam a criação de um quadro de governança eletrônica. Não é possível falar desta sem que se fale também da utilização da tecnologia da informação pelas organizações da sociedade civil em suas interações com os governos, o que evidencia o papel relevante da transformação dessas mesmas organizações pelo uso de recursos tecnológicos, em especial dos ambientes mediados por computador.

Da mesma forma que a governança eletrônica depende da modificação dos padrões de interação entre sociedade civil e governos, tanto nacionais como subnacionais, sua afirmação exige também a consolidação de um padrão de uso intensivo da tecnologia da informação no interior das organizações estatais. Para isso, alguns desafios em termos de modificação de práticas de trabalho se impõem. Um primeiro deles é evitar que o cidadão seja tratado apenas como "cliente", não como cidadão. Isto significa que os padrões de adoção da tecnologia da informação na prestação de serviços públicos não podem reduzir o usuário a atendimentos atomizados e sem vínculo com sua condição de portador de direitos. A garantia da impessoalidade no acesso aos serviços, sua clara definição como bens de acesso universal, a transparência nos critérios de decisão na sua provisão são elementos que devem ser considerados, contribuindo para a construção de condições de transparência que reforcem a idéia de governança eletrônica.

Promover a ampla circulação de informações sem submergir o cidadão em um oceano de dados, por outro lado, é um desafio complementar ao anterior. Tornar disponível um grande volume de dados não significa, necessariamente, melhorar as condições de consumo dos serviços públicos pelos cidadãos-usuários, nem necessariamente dotá-los de maior capacidade de exercício do controle social. Ao contrário, um volume excessivo de dados pode, na verdade, servir para desinformar o cidadão, se não houver uma organização e práticas de trabalho que facilitem sua seleção e utilização.

A modificação das práticas de trabalho está fortemente vinculada a mudanças nas estruturas mentais dos envolvidos. Modificar a cultura organizacional, promovendo a motivação e envolvimento dos servidores para participar do processo de modernização, é necessário para que as transformações nas organizações públicas sejam de fato efetivas.

Os gestores públicos, nesse contexto, encontram alguns desafios significativos que dizem respeito aos seus processos decisórios. Um primeiro, mais evidente, é o de dimensionar corretamente os investimentos em tecnologia da informação. Uma vez que o ritmo de surgimento de novos produtos e aplicações tende a ser muito mais rápido que o crescimento do volume de recursos disponível para investimento, as decisões exigem uma adequada avaliação da relação custo-benefício. Daí a importância, para os gestores públicos, de se encarar a tecnologia da informação como ferramenta importante e potente, mas não como solução mágica. A tecnologia não pode ser vista como objetivo em si, mas como meio. Portanto, as decisões mais importantes neste campo são aquelas referentes ao estabelecimento adequado das prioridades de adoção de tecnologia da informação.

Esses desafios impostos aos gestores pela tecnologia da informação trazem para seu cotidiano uma presença de problemas decisórios de ordem tecnológica anteriormente não existente. Com isso, o papel da relação entre gestores e especialistas comporta novas posturas. Para os gestores públicos, cada vez mais é necessário compreender a tecnologia da informação como um recurso estratégico sob seu domínio, e não como algo cujo entendimento e julgamento deve ficar a cargo somente dos especialistas.

No campo da Internet, um conjunto de desafios também está colocado, para os próximos anos. Primeiramente, observando do ponto de vista da ampliação dos serviços disponíveis aos cidadãos, aparece a necessidade de se aumentar o volume, mas também a qualidade dos serviços. Oferecer serviços através da Internet não se resume a desenvolver websites, mas implica em mudanças nas práticas de trabalho que aprofundem, paralelamente, a transformação dos processos da administração pública. Nesse ponto está uma grande oportunidade para que se possa conferir maior transparência aos processos, inclusive com a reorganização das informações de forma a possibilitar o controle público. O atendimento a esse desafio, portanto, está diretamente ligado à adoção de uma visão do usuário dos serviços públicos como cidadão, e não somente como cliente, como exposto anteriormente.

Uma vez passados os momentos iniciais de descoberta de possibilidades e de desenvolvimento de um repertório básico de aplicações da Internet para a prestação de serviços públicos e comunicação dos organismos governamentais, a gestão desse conjunto -crescentemente complexo- de recursos tornar-se-á um desafio de relevância crescente. A expansão do uso da Internet, todavia, não se pode fazer apenas pelo campo da oferta, ou seja, é insuficiente -e extremamente improdutivo- expandir o oferecimento de serviços através da Internet sem o correspondente esforço de articuladamente promover a formulação e implantação de políticas de inclusão digital.

A inclusão digital, entendida tanto como a inclusão dos indivíduos como das organizações da sociedade civil, pode propiciar, especialmente no nível local, o surgimento de aplicações de ambientes mediados por computador que transcendam os limites institucionais da administração pública, vindo a constituir redes comunitárias locais ou temáticas ou portais públicos, gerenciados no âmbito da sociedade, em colaboração com os governos.

Ao mesmo tempo, a promoção de uma inclusão digital baseada na idéia de governança eletrônica leva a sociedade civil a apropriar-se da tecnologia para ampliar a transparência dos governos e o controle social sobre suas ações. Entre os temas emergentes para a ampliação do controle social nos marcos da governança eletrônica, um outro desafio extremamente relevante e ainda pouco explorado se afigura: o desenvolvimento e a implantação de formas de controle social do próprio uso da tecnologia da informação pelos governos. Trata-se, aqui, da tarefa da sociedade civil de evitar que novas tecnologias gerem novas formas de dominação e excesso de controle sobre os indivíduos.

Por fim, duas grandes perguntas sintetizam o grau de desafios colocados para o uso da tecnologia da informação para a promoção da cidadania e da governança eletrônica. Ao mesmo tempo, apontam estratégias e prioridades para os esforços nos próximos anos.

A primeira delas diz respeito à dimensão operativa da disputa pela hegemonia no campo das transformações do Estado brasileiro. Aponta a necessidade de se considerar a tecnologia da informação como peça importante no tabuleiro do jogo da chamada "reforma do Estado" ou da "modernização administrativa". Podemos formulá-la da seguinte maneira:

Como utilizar a tecnologia da informação para promover um processo de modernização democrática da administração pública, afastando os riscos de uma modernização conservadora e autoritária?

A segunda pergunta, não menos importante, corresponde ao outro lado da mesma disputa. Lembra-nos da peculiaridade do contexto brasileiro, que combina disponibillidade de tecnologia, recursos e mão-de-obra qualificada com iníquas desigualdades sociais:

Como evitar que a tecnologia da informação aprofunde o fosso da exclusão social que divide os brasileiros em dois mundos tão distantes?


(*) José Carlos Vaz é Mestre em Administração Pública (FGV-SP), pesquisador do Instituto Pólis, Vice-Reitor Acadêmico da UNIABC.



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