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La insignia
27 de abril de 2002


Não tropece na língua!

Eis que, posto que


Maria Tereza Piacentini
Língua Brasil, abril de 2002.


"Qual o real significado da expressão 'posto que'? É correto dizer 'eis que'? Como exemplo: Ela não vai à escola eis que está doente."
-Alexandre Godoy, Campinas/SP-

A. POSTO QUE é uma locução conjuntiva de valor concessivo e também, modernamente, de valor causal.

Originalmente, posto que se enquadrava apenas nas conjunções concessivas, as quais dão a idéia de concessão [posto que = pondo-se (a concessão) que...]. Como tal, rege o subjuntivo e tem como "irmãs": embora, ainda que, se bem que, conquanto, mesmo que.

- Posto que seja fácil, sempre tenho dúvidas./Ainda que seja fácil, sempre tenho dúvidas.

- O trabalho, posto que fosse árduo, acabou no prazo./O trabalho, embora fosse árduo...

- Aceitamos o acordo, posto que não agrade a todos / conquanto desagrade a todos. Entretanto, vejamos outro tipo de frase relativamente comum, em que as orações introduzidas por "posto que" não traduzem a mesma idéia das concessivas acima: - Aceitamos o acordo posto que agrada a todos.

- A denúncia foi julgada improcedente, posto que não havia prova da contravenção. Observe que, diferentemente das concessivas, o verbo está no modo indicativo. Neste caso seu sentido é causal:

- Aceitamos o acordo, pois / já que / porque agrada a todos.

- A denúncia foi julgada improcedente, visto que não havia prova da contravenção. Se a conjunção não pudesse ser causal, como é que iríamos interpretar o Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes? Relembremos seus últimos versos:

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Não se pode precisar quando e por qual razão o posto que concessivo foi desembocar no posto que causal. Mas pode ter sido por influência castelhana: puesto que é explicativa/causal. Aliás, o mesmo fenômeno evolutivo aconteceu no espanhol, em cuja literatura clássica se encontra "puesto que" com valor concessivo.

B. EIS QUE é uma locução que originalmente tinha o sentido temporal, equivalente a quando e a eis senão quando:

- Seguia o monge pelo caminho, meditando com a natureza, eis que um asno lhe interrompe a concentração e o andar.

Aconteceu com essa expressão um fenômeno semelhante a posto que: de temporal, eis que passou a causal, sobretudo nos meios forenses. O seu significado então é igual a visto que, já que, uma vez que, porquanto etc.

- Foi-lhe dado o direito de aduzir suas razões, eis que a ampla defesa é essencial à legitimidade do processo.

- Mais uma vez ficou claro que há muitos palpiteiros no campo do Direito Desportivo, eis que o texto do art. 93 da LGSD, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.981/00, é de clareza irretorquível.


(*) Maria Tereza de Queiroz Piacentini, autora dos livros "Só Vírgula" e "Só Palavras Compostas", é diretora do Instituto Euclides da Cunha - www.linguabrasil.com.br



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