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4 de abril de 2002 |
Teatro do absurdo
Frei Betto
"Uma mente brilhante", premiado com o Oscar, é um filme imperdível. Dirigido por Ron Howard e estrelado, magistralmente, por Russell Crowe, narra a vida de John Nash, prêmio Nobel de economia de 1994. Desde o seu ingresso na Universidade de Princeton, Nash foi tomado pela esquizofrenia, agravada ao participar de projetos secretos do Pentágono para decifrar códigos russos.
A América, tomada pela paranóia do inimigo externo, não se dava conta de que o anticomunismo exacerbado fomentava a síndrome do pânico. Hoje, made in Bin Laden. Frei Tito de Alencar Lima, meu confrade, morto aos 28 anos (1974) em conseqüência de torturas, experimentou as mesmas alucinações de John Nash. Em Paris ou Lyon, ele via o delegado Fleury e outros algozes. A diferença do economista americano é que Tito não encontrou quem, pela via do afeto, o ensinasse a permanecer indiferente a seus inimigos imaginários. A campanha presidencial, tal como se configura até agora, tem algo de paranóia. De repente, o palco da nação é ocupado por meia dúzia de personagens que, como nas peças de Shakespeare, parecem não perceber que seus dramas familiares refletem-se em todo o reino. Nash nunca deixou de ver os fantasmas que, como personagens reais, assaltam a sua mente brilhante. Mas no caso da campanha presidencial soa estranho, para não dizer doentio, que personagens reais sejam enfocados como se fossem fantasmas. Não se pergunta pelo projeto Brasil, nem se questiona se o país prosseguirá refém de uma elite saciada de lucros e indiferente à exclusão social, ou se, pelo voto, será resgatado, disposto a pagar a sua dívida social. O que parece interessar são as ciladas em torno dos candidatos, as armadilhas em que pisam, a embalagem de marketing com que se apresentarão revestidos. Com o cenário montado, é difícil que o candidato não queira corresponder ao roteiro pré-estabelecido pela mídia. Gritam contra o veto do TSE às coligações pluripartidárias, sem, no entanto, trabalharem as condições de governabilidade numa eleição cuja importância é ser casada, ou seja, destinada a eleger, ao mesmo tempo, presidente da República, governadores, senadores e deputados. Frei Tito via o que ninguém enxergava. Nash, se não beirou o suicídio, quase afogou o filho bebê numa banheira. A alucinação dos candidatos que identificam, em decisões da Justiça, uma conspiração palaciana (puro Shakespeare!), beira o teatro do absurdo de Ionesco naqueles que fazem profissão de fé de que, empossados com a graça de Deus, haverão de multiplicar pães e peixes. Como estamos no Brasil, não falta uma boa pitada de Nelson Rodrigues ao se exigir, para noivar com a nação, um pretendente farto de dotes como o último que levou a noiva ao altar da pátria e, agora, a devolve endividada e pobre. Órfã de pai, a nação brasileira busca, em vão, quem dela possa cuidar, segundo os interesses da cada filho. Poucos atinam que, se a paixão inebria, é o projeto de vida que sustenta uma relação. E o único remédio para essa esquizofrenia política é a qualidade de programas de governo, sustentados por condições de governabilidade. Encarar como solteira uma eleição casada equivale a supor que O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, é apenas um jogo cênico para descrever a ascensão e queda de um fabricante de velas. Um texto fora de contexto ou um candidato presidencial deslocado de seus pares em governos estaduais e parlamentos é o mesmo que instigar os eleitores à esquizofrenia de votar em fantasmas acreditando que se tratam de pessoas reais. |
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