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5 de agosto de 2007 |
Urariano Mota
Esta semana, lemos uma notícia que não poderia ser mais justa: “Ral é o homenageado da nona edição do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco (FIHQ)”. Lemos e ficamos sem entender como é que essa justiça veio e chegou. Uma possível explicação é que, por algum erro do mundo, por algum desvio da natureza, por alguma patologia não diagnosticada dos homens, a justiça a um artista também acontece, mas como um raio surgido de nuvens sem eletricidade. De repente a luz, sem como nem por quê. De raro em raro, acontece tal fenômeno sem explicação. O fato é que uma justiça assim, rara e inexplicável, alimenta muito a esperança. Essa homenagem ao chargista, cartunista, ilustrador, artista múltiplo, em uma palavra, Ral, é um desses momentos raríssimos de esperança, de absurda esperança, porque se faz em Pernambuco. Entendam a razão.
A pessoa de Ral mais aumenta esse absurdo. Ele é um homem de poucas falas, de pouca presença cênica, de temperamento contrário à promoção pessoal. Fazer com que ele fale sobre a própria pessoa não é fácil. Eu fui muito ajudado, na entrevista a seguir, pela intimidade do tempo em que o conheço, há mais de 33 anos. Quando nos vemos, sem palavras nos recordamos de um jornal pequeno, esperançoso e afoito como os loucos, que batizamos de A Xepa em 1973. Ainda assim, enquanto o entrevistava, evitei olhá-lo de frente, porque ele se inibe e se acanha, fala baixo e se cala, se o encararmos, se o olharmos de frente. É claro, bem sei que nesse particular a minha própria cara não ajuda, em qualquer entrevista. Por isso eu também observei, fitei muito de frente, mal-encarado, a caixa preta do gravador.
No entanto, esse homem possui uma justa fama de criador, de artista gráfico maior do Brasil. Entendam, Lombroso e o cinema de Hollywood jamais compreenderão qualquer alma humana. Quem vê cara e caricatura de personagem jamais entenderá um criador de caricaturas. Dele já disse, com feliz precisão, o artista múltiplo e desenhista e homem de ação Ziraldo: “O desenho do Ral é primoroso – ele é um artista plástico. Ele tem um traço fino, leve, meio trágico, doloroso, dolorido, muito agressivo. Ele usa uma linha fina e tem sempre uns pontinhos pretos na inserção de suas linhas. Sempre um desenho muito cruel”. Depois, em uma mesa de restaurante completou: “Ral é um Deus do desenho”. A isto comentou Ral, nesta entrevista: “Quando eu soube disso, eu pensei que ele estivesse se referindo a outro. Eu não sabia que ele se lembrava de mim”. Precisa dizer mais sobre a natureza íntegra e modesta desse artista? O melhor agora é apertar a tecla play do gravador. Como sabem, eu observo muito a sua caixa preta.
- Ral, você é natural de Arcoverde, sertão de Pernambuco. Como foi que surgiu o desenho na sua infância? - Eu lembro perfeitamente. A diversão da gente, da meninada, era jogar bola e desenhar os heróis das histórias em quadrinhos da época. Fantasma, o Cavaleiro Negro, Tarzan, e a maioria dos meninos, sem recurso, desenhava nas calçadas, com carvão ou giz. E lembro que eu ou estava jogando bola ou desenhando nas calçadas. - Com quantos anos isso? - Acredito que com 7 anos, mais ou menos. Tem também uma coisa, que não posso esquecer: eu recebi uma influência muito grande do meu irmão, Rui. É o outro RAL: Rui Araújo Lima. Ele é três anos mais velho que eu, e quando a gente é pequeno, essa diferença é gigante. Ele fazia os gibis*, e como a gente não tinha papel como hoje, ele pegava papel de embrulho, ele pedia na padaria, não é?, cortava, recortava, montava todinha a historinha e fazia. - Você já partiu, na infância, para a história em quadrinhos. Mas você não pensava em ser pintor, não? - Sim, teve uma fase que... o pessoal da época achava que quem desenhava ia ser arquiteto ou pintor. Mas arquiteto eu não seria nunca, porque minhas linhas são tortas.... (Riso.) E pintor não foi possível porque eu sempre gostei da comunicação de massa. Minha vocação não era para quadro. Era para quadrinho mesmo. - Como foi que você entrou no Pasquim? - Quando eu cheguei aqui no Recife eu tive uma espécie de Curso Superior: eu comecei a freqüentar uma banca de revistas do meu tio. Aquilo para mim era um mundo. Eu ia pra lá, com a intenção de ajudá-lo a vender revistas, mas ali eu me abaixava e, debaixo do balcão, ficava lendo todo tipo de jornal e revista que ele vendia. Então um dia eu vi O Pasquim, e resolvi enviar uns desenhos. Enviei várias vezes, e nada. Até que responderam, na seção de cartas. Então houve uma mudança de temática minha, porque antes do Pasquim eu publicava em revistas de São Paulo, da EDREL. Nessas revistas havia um humor engraçado, de entendimento mais fácil, do tipo Anedotas e Piadas. Quando eu vi O Pasquim, eu mudei. E me disse: “o que eu quero é isto aqui”. Comecei a mudar com O Pasquim. Comecei a estudar os traços dos grandes cartunistas. Algum tempo antes já me impressionava Borjalo, de O Cruzeiro. Então comprei livro, comecei a ler, a me informar, e de repente comecei a sair no Pasquim. Um desenho, outro, uma página, o que terminou por me ajudar muito a entrar nos jornais daqui. - Você chegou aos jornais da sua terra a partir do que publicou no Pasquim, bem longe do Recife. É interessante. Mais uma vez, tem que sair lá fora para repercutir aqui. Não é o contrário.
- (Riso) É impressionante. O que acontece com o artista, isso no mundo, isso tanto para o a desenho, para a pintura.. . - Para a literatura. Primeiro você tem que ser reconhecido lá fora, para depois... Em que ano você começou no Pasquim, Ral? - 1969/70. E foi até... não lembro direito. Eu publiquei no Pasquim até a época do jornal o Papa-Figo, daqui do Recife. Acho que até 1984, 85. - Ral, se você tivesse de levantar as influências sobre o seu desenho, quais seriam as influências conscientes? - Acho que é Ziraldo no traço (no desenho), e Jaguar no humor. - E outros desenhistas, você lembra? - Eu me lembro de um estrangeiro: Folon. Ele possui um traço bem fino. Uma outra influência, mas daqui de Pernambuco, foi Abelardo da Hora. Se você perceber as figuras minhas, da seca nordestina, elas têm um corte na altura dos olhos, que lembram Abelardo. - Mais uma cria de Abelardo da Hora. - Eu gosto muito dele. - Nessas influências, você não tem nenhuma influência de Péricles, do Amigo da Onça? - Engraçado, não, sabe por quê? Porque o desenho de Péricles é muito elaborado. Para ser sincero, eu, eu gosto mais... quando eu lanço a idéia, o desenho vem depois. Entendeu? Se eu pudesse, eu gostaria de fazer como Henfil, que escrevia desenhando. Tem vezes que eu gosto de trabalhar o desenho, mas normalmente eu gosto mais daquele desenho que você expressa na hora. - Você hoje, Ral, depois de todo esse tempo de trabalho, de desenho, você hoje não publica mais na grande imprensa. Por quê? - Tem que perguntar ao pessoal da grande imprensa. (Riso.) Eu não sei. Talvez no Diário de Pernambuco eu não tenha continuado, porque... eu estava como editor de arte, não é?, e normalmente eles querem uma pessoa que administre com pulso forte, que dê grito como os editores fazem, seja grosso com o subordinado. Eu não sei fazer isso, esse não é o meu estilo. Eu converso. - Você não imagina que esses períodos em que você esteve na imprensa foram os períodos em que havia um trabalho de criação nos periódicos? - É, eu até converso às vezes, quando eu converso, com o pessoal que trabalha nos jornais, e digo que a gente não é bem aproveitado nos jornais. O trabalho hoje é quase burocrático. A gente podia ter mais espaço. A minha visão é que eles estão dando uma grande mancada, porque a opinião é o que tem mais valor na imprensa escrita. Porque eles tentam concorrer com rádio, televisão, Internet, e perdem de 10 a zero. Charge, Cartum são coisas que levam a pensar. - Que diferença você nota entre o momento em que você publicava no Pasquim e a imprensa hoje no país? - Tem aquela diferença que todo o mundo já falou. A ditadura era mais fácil, porque a gente sabia a quem atacar. E hoje você não tem um inimigo direto, os problemas hoje são vários. Eu lembro até de uma coisa de Ziraldo, quando ele disse que o mundo ideal terá poucos humoristas... Então aqui deve estar péssimo, porque tem muito cartunista aqui.
- Além do ponto de vista político, você nota outras diferenças, do momento da imprensa do Pasquim e da imprensa de hoje? - Eu acho que está uma apatia cultural muito grande. Ninguém cria nada. - Você hoje vive fora da grande imprensa, sobrevivendo, fazendo exatamente o quê? - Eu trabalho em um sindicato há 10 anos. Faço o jornal, eles publicam, todo o material, cartilhas, cartazes, calendário. Em outro expediente, trabalho também para outros sindicatos, e quando aparece algum órgão para publicar cartum, eu envio. - Como você está vendo essa homenagem feita a você no Festival de Humor aqui em Pernambuco? - Eu até brinquei com o pessoal, quando me chamaram, que iam apresentar o Salão para a imprensa. Eu pensei em duas coisas: ou eu estou ficando velho, ou eles estão fazendo uma chantagem emocional para eu voltar a publicar. Eu acho que são as duas coisas. (Risos.) Realmente, eu estou sentindo a necessidade de retornar, de voltar. Eu fico rabiscando, e você rabiscar para você não tem graça não. - Se você pudesse voltar atrás, lá para Arcoverde, ou então chegando aqui ao Recife, aos 15 anos, você acha que pegaria um caminho diferente do desenho? - Não. Quando eu era menino, eu gostava muito de jogar futebol. Eu me lembro que na Copa de 1958, quando o Brasil ganhou, eu botei na cabeça que seria duas coisas: ou jogador de futebol, ou desenhista. Jogador eu até tentei, em Arcoverde cheguei a fazer um teste para jogar no time da minha cidade. Mas o meu físico nunca me ajudou. Imagine que eu sou franzino agora, aos 56 anos, mas naquele tempo eu era pior, muito mais. - Então se você não fosse desenhista, gostaria de ter sido jogador de futebol? - Hoje, com esta idade, como eu gosto muito de ajudar as pessoas (como ajudei muitos desenhistas, cartunistas), hoje eu gostaria de ser médico. Hoje, se eu tivesse de optar por outra profissão, eu seria médico. (*) Historietas, cómics. |
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