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17 de dezembro de 2006 |
Padre João Carlos, perseguido e consolado
Urariano Mota
A primeira impressão que o padre João Carlos Santana da Costa transmite é que ele é um homem calmo, de fala mansa, sem pressa, com todo o tempo do mundo. Depois, quando se senta em uma cadeira larga, e ocupa quase todo o espaço, é que se nota que ele está a caminho da obesidade, na altura dos seus 40 anos. Este sertanejo da Paraíba é o pároco da Igreja de Santo Antonio, em Água Fria, subúrbio do Recife. É possível que o Padre João Carlos talvez não fosse percebido na paz, no sol e céu azul do subúrbio pobre de Água Fria, se não houvesse caído nas malhas de um bispo férreo, Dom José Cardoso Sobrinho. Esse arcebispo condenou-o sem defesa, impôs-lhe a pena de abandono da paróquia e de expulsão dos limites de toda Arquidiocese de Olinda e Recife, a partir do conhecimento de uma mensagem eletrônica, anônima. Corrigimos: anônima para o acusado e para todo o povo do Recife. A mensagem veio assinada, mas o arcebispo se nega a falar sobre ela com a imprensa, e mais ainda se nega a informar o autor ao padre, o criminoso condenado. A comunidade está revoltada, a igreja local está de luto, com panos violetas, e o padre conseguiu adesões importantes de varias igrejas e cultos não-católicos. - Por que essa denúncia é anônima? Padre João Carlos - Essa denúncia é anônima porque o arcebispo não diz quem são os acusadores. Ele não me deu o direito de me defender. Então, se ele não me deu o direito de me defender, eu também não estou publicando qual é a denúncia, porque ela é tão idiota, tão sem consistência, que eu quero que ele mesmo faça. Ele me dê o direito de defesa, dizendo quem são os acusadores, publicando qual é a denúncia, para que a sociedade tenha conhecimento do fato em si. O que na verdade eu estou reclamando é apenas o meu direito de defesa. - Quando o senhor foi chamado, ou intimado a comparecer diante do arcebispo? Padre João Carlos - Eu compareci diante do arcebispo em 6 de novembro deste ano, às 9 horas da manhã. Lá, ele me mostrou um texto, que continha algumas denúncias completamente sem sentido... - Esse texto era o quê, veio por e-mail? Padre João Carlos - Por e-mail. O arcebispo escondeu o remetente. Disse que não me diria de forma alguma. E aí, já no fim, depois de eu insistir tanto, pra saber quem era que estava me acusando, pra eu poder me defender, ele terminou dizendo que não me interessava saber se era verdade ou mentira, interessava saber é que me queria fora daqui. Ele cerceou completamente o meu direito de defesa. Isso não existe mais. Eu acredito que em nenhuma sociedade humana exista esse tipo de comportamento... Nós estamos assustados com esse tipo de comportamento da Igreja. Aliás, da Igreja eu não diria isso, porque seria injusto. Nós estamos assustados com esse tipo de comportamento da Arquidiocese de Olinda e Recife. - Ao fim dessa reunião, o que o Arcebispo lhe determinou? Padre João Carlos - Oito dias pra desaparecer daqui, da paróquia de Água Fria. Entregar minha paróquia, me despedir dos amigos, ir embora de Pernambuco. - Depois que o arcebispo Dom José Cardoso apresentou a você esse ultimátum, dizendo "abandone dentro de oito dias a paróquia de Água Fria", o que foi que ele lhe disse? Padre João Carlos - Depois da condenação rápida e sumária, quer dizer, "Abandone a paróquia, que eu vou mandar o substituto, entregue tudo, vá embora, desapareça", então ele tomou uma atitude de pai, de pastor e me disse: "Eu vou consolá-lo. Lembre-se do evangelho que diz, você é bem-aventurado, você é feliz quando você for perseguido, quando você for traído, quando mentirem contra você, quando o injuriarem, tramarem contra a sua pessoa, você deve se alegrar, porque o céu é seu". - Que razão o senhor imagina para essa "denúncia"? Padre João Carlos - É possível inveja. É possível descontentamento de alguém. Você administra uma paróquia ao longo de 10 anos, trabalhando, você há de ter em algum momento descontentado alguém. Pode ser alguém que queria algum cargo político, fazer um comício na frente da igreja, eu não permiti. Pode ser alguém que queria colocar um ponto de táxi em determinado ponto que prejudicasse a entrada e saída dos paroquianos. Pode ter sido algum ex-funcionário, que eu tive que demitir por isso ou por aquilo. Quer dizer, eu não sei. Eu não tenho nem idéia. Se eu não tenho conhecimento de quem está me acusando, como é que eu posso fazer alguma conjectura? - O senhor já entrou em conflito com algum político profissional? Padre João Carlos - Só o fato de não ceder a frente da igreja para comícios políticos. Algumas vezes. - Então o senhor não imagina quem tenha sido o autor? Padre João Carlos - Não faço idéia. - Uma hipótese. Se essa denúncia tivesse alguma consistência, mistura de verdade e mentira, ou mesmo falsa interpretação, como deveria ser um processo para o seu caso? Padre João Carlos - Vamos supor que a denúncia fosse completamente verdadeira. Reza o Direito Canônico que o bispo ou meu superior deveria me chamar, me tornar ciente da acusação, me dar o direito de defesa, conversar comigo, pedir que eu me retratasse, pedir que eu me convertesse, qualquer coisa que fosse nesse sentido. Isto seria uma forma fraterna entre mim e ele, porque o bispo antes de tudo tem que ser pai. O padre é filho dele. Então, depois dessa conversa, em que o padre é chamado a mudar de vida, a se consertar, se há uma denúncia verdadeira, se o fato é real. Aí, depois de algum tempo, se o padre insiste no erro, o bispo chama o padre, com mais algumas testemunhas, o padre vai ser ouvido, vai ser lavrado um termo de que ele tomou consciência, e se mesmo assim ele não se corrige, então o bispo tem o direito de penalizá-lo. Mesmo sendo penalizado, o padre ainda tem o direito de se defender, recorrendo à Congregação para o Clero. Não existindo nenhuma dessas etapas, no meu processo existiu apenas a última etapa, em que eu digo, num ato de desespero e de indignação, recorri à Santa Sé, já que não houve nenhuma possibilidade de me defender. - O senhor tem um trabalha de educação, de consciência na sua paróquia? Padre João Carlos - Nós temos algum trabalho de consciência, seja no curso de alfabetização para adultos, seja na realização de campanhas contra as drogas, através da pastoral da sobriedade. Campanhas pela valorização da vida, na pastoral familiar. Existe a preocupação de fazer com que toda oração leve a conscientização, que é um trabalho de ver se essas pessoas tomam consciência da necessidade de criar estruturas novas. Baseada na Paz e na Justiça. - Isto significa que seu trabalho de educação leva a uma conscientização política? Padre João Carlos - Política, sempre. O homem é fundamentalmente político. - E isto é difícil de ser assimilado pela direção da Igreja aqui no Recife... Padre João Carlos - É complicado você hoje se situar nesta linha, mas eu vi que o meu trabalho não foi em vão a partir da caminhada que fizemos no domingo passado, 3.12.2006, quando mais de mil pessoas estavam na rua pra defender não a eles, mas o meu direito de defesa. Então eu vi que houve agora o retorno daquilo que a gente investiu. Daquilo que a gente diz na missa. Daquilo que a gente diz na reunião, daquilo que a gente foi às favelas conversar com as pessoas. Domingo passado eu vi o retorno disso. Existiu uma semente lançada, e hoje a gente colhe o fruto que saiu. - Eu vou fazer umas perguntas ao senhor que ainda mexem com os tabus da Igreja. A sua opinião sobre o celibato. Padre João Carlos - O celibato é uma bênção pra Igreja. Não questionaria o celibato, embora veja que num tempo futuro exista a possibilidade de a Igreja deixar o celibato opcional, como na Igreja Ortodoxa, e em algumas Igrejas irmãs, que estão em comunhão conosco. Na atualidade, a Igreja católica não vê nenhuma possibilidade de quebrar o celibato. O celibato nós entendemos como um dom, é a doação completa da pessoa para o serviço da Igreja, para o crescimento do Reino, e isso sendo um dom, só suporta realmente quem tem uma vocação muito grande. - Homossexualismo. Padre João Carlos - Esta é uma questão crescente no mundo atual. Acho que a Igreja tem que começar a dialogar, sem discriminar, fazendo um trabalho de acolhimento, de conscientização, e não de afastamento. É um fenômeno social, para o qual a Igreja não pode se fechar. E acho que se o papel da Igreja é ir ao encontro dos pecadores, dos marginalizados e dos sofredores, nós temos que estar em todos os lugares onde houver sofrimento. - Isto significa que a Igreja tem que acolher homossexuais entre os seus padres, por exemplo? Padre João Carlos - A Igreja tem que acolher na assembléia os seus fiéis, não importa a condição. Condição social, de cor, isso independe. Na assembléia, as pessoas precisam ser acolhidas. Uma vez acolhidas, conscientizadas. No clero, é complicado você hoje dizer que poderia acolher homossexuais. Mas de forma indistinta, todas as pessoas são chamadas a viver na pureza e na castidade. - Sobre política. O senhor se posiciona mais à esquerda ou à direita? Padre João Carlos - Hoje eu acho que uma pessoa mais consciente, talvez fique mais à esquerda, sim. - Que evangelho ilumina o seu dia-a-dia e os seus passos? Padre João Carlos - O evangelho de Jesus Cristo. Por exemplo, Jesus Cristo disse: "Só a verdade vos libertará", não é? Jesus Cristo disse: "Aquilo que se faz escondido hoje, amanhã será gritado no alto dos telhados". Jesus Cristo disse: "Se o teu irmão pecar contra ti, vá lá, converses com o teu irmão, secretamente, pra ver se ganhas a confiança dele. Se ele pecar de novo, chames um grupo de pessoas e vá com eles conversar com o teu irmão. Se ele insistir no erro, chames a Igreja, para que a Igreja possa arbitrar isso". Então é essa realidade que nós, que eu particularmente estou vivendo, é puramente evangélica, no ponto em que eu acredito no evangelho, e puramente diante do evangelho, de todos esses fatos que me foram negados. Eu não tive nenhuma possibilidade de me defender. - Há um dado novo, que eu acredito que boa parte da imprensa não está percebendo. No seu caso, o senhor foi além dos limites, não só desta paróquia suburbana, como além dos limites da própria Igreja católica, porque o senhor tem recebido apoio de outros evangélicos, não-católicos. Padre João Carlos - Temos recebido apoio de pessoas que não são católicas, que são evangélicas, pessoas espíritas, pessoas de cultos afros, pessoas que dizem não ter fé, não freqüentam nada, não têm nenhuma religião, porque há muito a gente vem trabalhando aqui, de forma ecumênica, por exemplo, contra as drogas. Esta não é uma luta da Igreja, a luta é do cidadão. Então, se chamar o meu irmão ali, da Igreja Presbiteriana, da Igreja Batista, nós temos que nos unir. Se nós temos uma fé, essa fé tem que ter fruto. Jesus Cristo disse que toda árvore que não der fruto, será cortada. Nós precisamos nos unir. O grande escândalo da questão da fé é exatamente a desunião, de quem acredita em um só Senhor, em um só batismo, não é? Isto é complicado. Mas eu consegui, graças a Deus, com muita admiração aos meus irmãos protestantes, aqui especialmente ao nosso amigo Pastor Esdras, presbiteriano, que é um cidadão já idoso, muito sábio nas coisas do evangelho, e que tem realizado conosco essas campanhas. - Vamos supor, e a hipótese não é descabida, vamos supor que o seu recurso à Santa Sé não seja vitorioso, que se confirme então a decisão do arcebispo. Quais serão os seus próximos passos? Padre João Carlos - Eu sou padre, para sempre. Isto ninguém poderá me tirar. O arcebispo pode me proibir de exercer o ministério aqui, no território dele, outro bispo pode me proibir de exercer no território dele, mas haverá um filho de Deus que precise de um padre para trabalhar, não é?, e então nós vamos ver o que acontece. - O senhor não abandonará o seu trabalho pastoral, mesmo que seja proibido de rezar missa em qualquer ponto do território nacional.... Padre João Carlos - Nem meu trabalho, nem abandono a minha Igreja, porque eu nasci nela, minha fé quem me deu foi a minha família, isso é dom de Deus, eles me ensinaram isso. Quem quer que seja não vai me tirar isso.
O pastor segundo as suas ovelhas
Dom José Cardoso tem uma sombra. Ela se chama Dom Hélder Câmara. Há correspondências que ajudam a semelhança, que se casam nesse estranho conúbio e associação. A começar pela altura, física. Dom José Cardoso e Dom Hélder Câmara têm ambos a mesma estatura. À vista desarmada, dir-se-ia que os dois medem os mesmos 1 metro e 58, se muito. Ambos são nordestinos, um do Ceará, outro de Pernambuco. Ambos se encontraram na Arquidiocese de Olinda e Recife. E aqui terminam as semelhanças.
Nas diferenças, bem mais cresce a sombra que o ser atual na Arquidiocese. A sombra não é bem a ausência de luz. A sombra é a resposta da luz a seu obstáculo. E o vigor da sombra Dom Hélder Câmara é de tal monta que mais vale esclarecer quem é Dom José Cardoso Sobrinho. Vejamos o que dele dizem as suas ovelhas, muito contra a vontade de ambos, pastor e ovelhas.
Das realizações do atual arcebispo, o jornal Igreja Nova, criado pelo Grupo de Leigos Católicos IGREJA NOVA, denuncia um desmonte implacável da Igreja semeada por Dom Hélder Câmara. Da posse em 15 de julho de 1985 até a condenação sem direito à defesa do padre João Carlos Santana da Costa, a memória do jornal conta:
1988
Abril - Destituído o Pe. Hermínio Canova, secretário executivo da CNBB/Regional NE II
1989
Maio - Afasta o Pe. Thiago Torlby, da comunidade de Ouro Preto
1990
Abril - Afasta os padres Cláudio Dalbon e Mário Felipe, da paróquia da Macaxeira
1991
Janeiro - Afasta o Pe. Elias Cedraz, da paróquia de Jaboatão
1992
Fevereiro - Autoriza o novo pároco de Boa Viagem a destituir o Conselho Paroquial
1993
Janeiro - Afasta o Pe. Júlio Masson, da paróquia do Ibura
1994
Julho - Afasta o Pe. Gildo Gelly, da paróquia de Ponte dos Carvalhos e da ACO
1995
Fevereiro - Dom João Terra, ex-bispo auxiliar, que depois de Dom Hilário pediu
transferência para Brasília por incompatibilidade de convivência com Dom
José, concede entrevista bombástica ao Jornal do Commercio, relatando as
dificuldades de relacionamento com o Arcebispo, e se transfere para
Brasília.
1997
Junho - Demite o franciscano Jerônimo de Souza de uma paróquia em Olinda
1998
Em 6 de dezembro de 1998, o Jornal do Commercio publicou matéria - PODER ABSOLUTO ISOLA ARCEBISPO - contando em 3 páginas toda administração desastrosa de Dom José. Os jornalistas responsáveis foram advertidos e ameaçados de desemprego.
2001
16 de setembro - O Diário de Pernambuco publica escândalo envolvendo imóveis da arquidiocese: O Dr. Rui João Marques, paroquiano da Estrada dos Remédios, em testamento deixou: uma casa na Av. Beira Rio (ao lado do Sport) "para obras caritativas da paróquia" e um apartamento, na Av. Conde da Boa Vista "para formação de seminaristas verdadeiramente vocacionados". A arquidiocese tomou conhecimento do legado em 1995, mas não tomou posse, e revendeu os imóveis a terceiros, sem respeitar a vontade do falecido.
2003
Abril - Destitui o monge beneditino (com o aval do Abade) Dom Plácido de Azevedo Pontes da paróquia de Santo Antônio de Prazeres, Jaboatão dos Guararapes
2004
Julho - Alguma coisa grave aconteceu no Seminário Arquidiocesano de Olinda, de onde foram expulsos 19 seminaristas do Curso de Teologia (última etapa antes da ordenação)
(Fonte: Jornal Igreja Nova, do Recife).
O pastor nas próprias palavras
Uma boa amostra do que pensa Dom José Cardoso Sobrinho pode ser visto no site da Arquidiocese de Olinda e Recife, em Palavra do Pastor.
Sobre preservativos:
"Em primeiro lugar, parece-nos bastante ingênuo pressupor ou acreditar que adúlteros ou fornicadores depravados estejam realmente interessados em conhecer o ponto de vista da Igreja para decidirem se vão ou não vão usar preservativos. A impressão geral é exatamente o contrário, isto é, que estão seguindo cegamente seus caminhos, seus instintos e paixões, como aqueles pagãos aos quais se referia o Apóstolo Paulo no capítulo primeiro da carta aos Romanos.
Sobre a Assunção de Nossa Senhora:
"No famoso capítulo 15 da primeira carta aos Coríntios, São Paulo faz este raciocínio plenamente lógico: se não há ressurreição futura, 'comamos e bebamos, pois amanhã morreremos' (1Cor 15,32), isto é, sigamos a filosofia hedonista, coloquemos nos prazeres sensíveis a nossa felicidade definitiva".
Um analista freudiano diria que nas palavras do pastor existe uma preocupação absoluta com a carnalidade. Ele, o intransigente Arcebispo, parece estar possuído por um sabor tenebroso, insuflado pelo demônio. Como diria um homem do povo, o religioso é santo, mas a carne é fraca.
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