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La insignia
30 de outubro de 2005


Frei Josaphat e o Brasil, ugente


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, outubro de 2005.


Leio na revista "Imprensa" uma reportagem sobre Dorian Jorge Freire, jornalista que - fico sabendo pela matéria -- fundou o "Brasil, Urgente", recentemente falecido. Confesso que nunca tinha ouvido falar dele, mas o "Brasil, Urgente" fez parte da minha adolescência. Uma das razões é que lá trabalhava a Cida, prima do meu pai, um amor de criatura, igrejeira e sociável que nem ela só. Mas principalmente devido ao grande furacão que conduzia o jornal, frei Josaphat, um dominicano porreta, que viajava o país inteiro levando sua pregação política e pouco evangélica.

A bem da verdade, quando ele apareceu em Poços, lá por 1962 ou 1963, e deu uma palestra na Urca, pedi a meu pai para me levar na condição de adversário político dele. Com 12 ou 13 anos, eu era um moleque insuportavelmente politizado e inconveniente, muito influenciado pelo udenismo-lacerdismo de meu avô Issa Sarraf.

Meu avô era tão lacerdista que, outro dia, fuçando na Internet, descobri um artigo de um advogado de Poços, o Zé Asdrúbal, relatando o que se passou na cidade no dia da morte de Getúlio. Meu avô tinha um bar-restaurante, o Serigy, alcunhado pelos adversários políticos de "caldeirão do Diabo". Segundo a matéria, vô Issa fechou o bar quando foi anunciado o suicídio. Só que fechou de puro regozijo, esticando uma faixa saudando a tragédia. Incrédulo, fui conferir com minhas tias. Elas se lembravam que vô Issa comemorou, mas não se lembravam da faixa. Mas garantiram que vó Martha rezou muitos rosários em memória de Getúlio, porque era fã ardorosa do velho. Confesso que fiquei um pouco decepcionado com vô Issa, Mas, em suma, ele tem crédito de sobra comigo para que releve esse pecado mortal.

Pois foi sob a influência do vô Issa -que, mais que udenista, era presidente do "Clube da Lanterna" de Poços, sucursal da rede radical de Lacerda-que entrei no recinto da Urca e sentei, todo ansioso, ao lado de meu pai.

O tema da palestra de frei Josaphat era o momento político. Como leitor do "Ação Democrática" (revista ultra-direitista), li sobre a greve dos "bagrinhos", de Santos, por sua sindicalização. Era pleito justo. O sindicato dos portuários fazia parte do núcleo pelego-sindical de Jango. Os sindicalizados tinham direito a cotas de cargas a serem carregadas. Contratavam os "bagrinhos", que faziam o trabalho pesado, em troca de parcela ínfima da remuneração. Defensor da república sindicalista de Jango, frei Josaphat achava que a greve era estimulada pelo golpismo.

Nada disso ele disse durante a palestra. Foi quando terminou que, do alto de meus 12 anos, pendurado em uns óculos enormes, resolvi provocá-lo. Levantei o dedo para me inscrever para as perguntas, ele me olhou com ar de impaciência e me passou a palavra. Levantei e tentei engrossar a voz de semi-criança:

-- O que o senhor acha da greve dos "bagrinhos" por sua sindicalização?

E frei Josaphat, com supremo desprezo pela minha idade:

-- Olha aqui, meu anjo, esse tema é complicado demais para você.

Aquele "meu anjo" mexeu com meus brios:

-- Então o senhor poderia me fazer o favor de me explicar?, retruquei com toda a seriedade que a idade me permitia ostentar. E ele deu uma aula, em tom professoral. Na saída, recebi a solidariedade da ala udenista do encontro. Pouco tempo depois procedi ao meu "aggiornamento" adolescente. Quando o governo Jango caiu, em 31 de março de 1964, eu ainda era considerado um udenista. Meses depois, a violência do golpe já me fizera bandear. Houve uma Semana do Estudante em Poços e resolvi comprar um livro do Frei Josaphat, exposto no saguão. No dia seguinte, o irmão José Bento, o Baiano, professor de matemática e titular da quarta série do ginásio, me pegou de jeito na aula de Religião. Fez perguntas de capítulos o execrável Catecismo Cauly, eu não soube responder e ele bateu firme:

-- Mas comprar livro subversivo, o senhor sabe muito bem!

E me deixou uma hora de castigo abraçando a coluna do pátio de recreio. Dia desses andei lendo, em algum lugar, que Frei Josaphat estava de volta. Nunca mais tinha ouvido falar dele. Diziam que havia se mudado para a França quando o regime recrudesceu. Quando vim para São Paulo, em 1970, ele já era uma figura simbólica.

Quero ver se o reencontro, nem que seja para relembrar a doce figura da prima Cida.



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