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La insignia
26 de novembro de 2005


O fotógrafo de Zócalo


Fernando Soares Campos
La Insignia. Brasil, novembro de 2005.


«Já passa da meia-noite. Chove. Um chuvisco. Pouco mais que orvalho. Nem faz barulho. É um momento apropriado para ouvir as...»
-Memórias do senhor Ernesto, o fotogênico-


Há uns dez anos não durmo mais que quatro horas por noite. Cientistas ingleses andaram pesquisando e concluíram que, à medida que a idade avança, a gente sente menos sono. Isso tem fundamento. Posso até ratificar essa pesquisa científica com a minha própria experiência. Na aposentadoria a gente presta atenção a coisas que passaram despercebidas nos tempos de batente. Cochilo bastante durante o dia, tiro umas pestanas em frente à tevê.

Uma das minhas manias de velho é ver velhas fotografias. São quatorze volumosos álbuns. Tudo catalogado por gênero e época. Já nem dá pra ver a cor das paredes daqui de casa, está tudo recoberto de fotos. Tenho as minhas preferidas. Esta aqui, por exemplo, não tem dinheiro que pague: eu e Aurora, minha primeira mulher, ao lado de Nancy, quando ela ainda tinha 13 anos e era nossa vizinha. Naquela época, pra mim, não passava de uma linda garotinha. Sapeca sim. Nem sonhávamos que ela viria a ser minha segunda esposa. Coisas do destino. Esta do álbum das excursões é também uma relíquia. Está registrado aqui no verso, ó:

"Zócalo, Cidade do México, abril de 1955".

Um rapaz se aproximou de mim e perguntou se eu gostaria de fazer uma fotografia. Fiz pose. Ele enquadrou e bateu. Quando me entregou a foto, reconheci que se tratava realmente de um profissional. Conhecia do ramo. Enquadramento perfeito. Nunca vi tanta nitidez numa fotografia. Claro que o claro dia primaveril ajudou, mas ele deve ter usado o melhor filme da praça. A máquina também era das melhores da época. A minha pose e sorriso certamente contribuíram para um resultado tão notável. Além disso, com essa calça de linho e camisa de seda pura, eu estava impecável. E o cinto?! Couro legítimo!, combinando com o mocassim. A Catedral, nossa!, lá atrás, pano de fundo, sim, mas imponente. Até parece que estava ali há séculos apenas aguardando aquele momento. Acho que o sacristão adivinhou que aquela era uma ocasião especial, pois os sinos dobravam quando o rapaz clicou. Tive a impressão de que os passantes pararam no exato momento em que ele apertou o botãozinho da máquina: clik! Impressão nada! Pararam sim, pararam para assistir. Aqui está a prova. Alguns até posaram de papagaio de pirata.

Conversamos por quase uma hora. Como bom turista brasileiro, usei e abusei do meu portuñol. Paguei em dólar americano. O rapaz ainda me perguntou se eu não teria pesos. Arrisquei um trocadilho infame: "Esse aí é mais pesado". Ele sorriu meio sem graça, mas não perdeu a ocasião: "Tanto que esmaga as outras moedas", respondeu. Pelo menos foi isso que entendi. Mas me surpreendi com a sua preferência pela moeda mexicana quando o cobiçado dólar era "bienvenido" por toda parte.

Estranho rapaz, aquele...

Mostrou-me algumas fotos de sua coleção, a maior parte era de templos aztecas. Vendia cópias. Comprei cinco, mas só me resta uma da pirâmide do Sol. Ele falou, com propriedade, sobre as civilizações pré-colombianas. Podia-se notar que entendia bastante das culturas maya e azteca. A sua abordagem era bastante abrangente, envolvia aspectos das organizações política, econômica e social dos povos mesoamericanos desde a antiguidade. Chegou a teorizar sobre o aparecimento dessas civilizações. Segundo ele, suas presenças no continente americano explicavam-se através de uma possível migração de povos asiáticos. Mongóis, creio. Porém o que me impressionou de verdade foi a alteração do seu humor quando tratou da decadência dessas civilizações. Dava a impressão de que estava relatando fatos históricos que testemunhara, ou mesmo vivenciara, recentemente. Falava como se tivesse participado das batalhas contra os invasores. Era como se o "seu povo", armado de clavas e fundas, lanças e espadas de sílex, ainda estivesse contando as últimas baixas e preparando-se para enfrentar a avançada tecnologia bélica dos conquistadores.

Estranho rapaz, aquele...

Desde o início, observei que o seu sotaque distinguia-se de tudo que eu vinha ouvindo há três dias, quando cheguei à Cidade do México. Perguntei se era mexicano. Respondeu que não, apenas isso; mas não revelou sua nacionalidade. Arrisquei: "Chileno?"; outro "não". Pensei em continuar tentando acertar, mas preferi manter a discrição; entendi que, se ele quisesse identificar sua origem, o teria feito espontaneamente. Mesmo assim ainda recorri a outros métodos. Falei dos aspectos que assemelham os brasileiros aos venezuelanos: "Creio que seja o povo mais parecido com os brasileiros", afirmei. Respondeu: "Sim, pode ser". Isso certamente não revelou nada. Mandei essa: "Você conhece bem a América do Sul?". Mais um "Sim", e ficou por aí. Desisti. Nem mesmo perguntei seu nome. Despedi-me: "Buenas suerte". E ele: "Buenas suerte".

Rapaz estranho, aquele... Mas, um excelente fotógrafo.



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