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La insignia
22 de julho de 2005


Brasil

O novo ministro da Previdência Social


Urariano Mota (*)
La Insignia. Brasil, julho de 2005.


Nos limites do que posso dizer, eu conheço o novo ministro da Previdência Social.

Em São Paulo, em 1977, eu não tinha onde morar. Estávamos em uma relação nova, eu e Socorro Gomes, e dizer isto já é também dizer um eufemismo. Isto porque rompíamos nossos casamentos naqueles dias com seis filhos ao todo. Tudo muito bem dividido aritmeticamente, três filhos meus e três filhos de Socorro. Tudo deixado para trás, e uma vontade imensa de começar uma nova vida. Nessas condições, para dizer o mínimo, tudo era um desastre. Tudo, tudo, tudo. Saudade, angústia, e a imensa e hostil cidade de São Paulo, metrópole monstruosa para todo imigrante nordestino até que ele vire paulistano.

Tantas idéias vêm dessa cidade, tantas recordações pesadas, que difícil é esquecer o quanto ela nos expulsou mal chegamos. (Lembro no ônibus de viagem, na entrada naquela nuvem de prédios e fumaça, lembro uma família em um carro, que ao passar pelos cabeças-chatas do ônibus nos ofereceu pão pela janela, como se fôssemos macaquinhos amestrados. Lembro e esqueço. Lembro o policial de quase dois metros de altura, a nos gritar, na Estação da Luz, enquanto procurávamos um táxi, para ir a lugar nenhum, pois todos os destinos eram ocultos: - Para trás! Fila!, e o empurrão no corpo, porque evidentemente éramos surdos. Lembro e esqueço.)

Nessas circunstâncias, não estávamos preparados para algo parecido com solidariedade. Nada tínhamos, nada podíamos oferecer, além do sotaque carregado e nossas bocas para comer, que, ah, isto bem ou mal carregávamos. Nessas circunstâncias, conhecemos Nelson Machado. Na verdade, Nelson nos recebeu porque ele era amigo do irmão de Socorro, a quem jamais eu poderia chamar de cunhado. É bem verdade que não foi bem assim, e aí começo a dizer algo que não devia mencionar. Nelson nos recebeu com nossas trouxas porque éramos todos da mesma família ideológica, socialistas por convicção e identidade. Digo isto e não digo tudo, porque deveria dizer, enquanto vejo Nelson na sala do seu pequeno apartamento no Alto de Pinheiros, a fumar, a sorrir e a jogar cartas com cigarro e café e gente semelhante a nós, ex-perseguidos em melhor sorte. Enquanto vejo Nelsim dessa maneira, devera dizer: os socialistas da boca para fora, e até mesmo alguns de boca para dentro, não recebem um casal doido como ele nos recebeu. Jamais, jamais, sequer em insinuação, ele nos fez ver que estávamos sendo pesados no seu orçamento, que perturbávamos a rotina da casa, ou mesmo cobrou algo em troca, ou insinuou qualquer cobrança em troca.

Nos limites do que posso dizer, eu conheço o novo ministro da Previdência Social do governo Lula. Dos meus limites, já se vê. Não dos dele. É um homem de imensa dignidade esse Nelson Machado. Eu bem o conheço, desde o apartamento do Alto de Pinheiros. Hoje, nesses tempos de safadeza, de suspeita e corrupção a tudo que cheire a governo do presidente Lula, de infâmia e canalhice generalizada em toda grande mídia, eu posso dizer com a mão na consciência: Parabéns, Nelsim. Se tua convocação for um termômetro, ou medida, do nível dos homens que compõem o governo Lula, o que dizer?

- Parabéns, Presidente. Nelson Machado é ministro da previdência desde aqueles anos em que nordestinos dormiam e comiam sem nada pagar no seu apartamento. Com direito a reclamação, dos segurados imigrantes.


(*) Escritor. Autor do romance Os Corações Futuristas.



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