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La insignia
11 de julho de 2005


Cinco vezes Tarso de Castro


Nei Duclós
La Insignia. Brasil, julho de 2005.


Uma: Fechamento

- Vamos fechar essa merda em cinco minutos!

Era um dos muitos gritos de Tarso de Castro, anunciando sua má vontade em participar diretamente do fechamento da Ilustrada, suplemento cultural da Folha de S. Paulo, no final dos anos 70. Ele era obrigado a fazer isso quando o editor Antonio Carlos Coutinho, o Zuba ( hoje proprietário e diretor da revista Expressão, de Florianópolis) tirava férias. O fechamento não podia atrasar nem um minuto depois das oito horas. Tarso chegava às cinco, anunciava-se e sumia (Estava no bar? Estava no último andar? ). Voltava um pouco antes das oito (quando conto essa história, gosto de dizer: "ele voltava às cinco para as oito"). E realmente fechava em cinco minutos.

Pegava as tripas de laudas (que na época era coladas, formando serpentes de papel) com um braço só, levantava até os olhos e tascava:

-Jesus é Oxalá.

E caía na gargalhada. Era o título - que ele não escrevia, apenas ditava - de uma matéria sobre sincretismo religioso, já que a Ilustrada de Tarso não se dedicava apenas ao show- biz, nem a pauta era ditada pela indústria cultural. A equipe tinha autonomia e cada repórter ou redator assinava embaixo, tanto a notinha quanto a reportagem.

Tarso pegava a outra tripa de laudas e ditava a legenda de um perfil de Lacerda:

- Abre aspas: ao invés de tomarmos o caminho do Canadá, tomamos o caminho da Índia.

Admirava, apesar de ser seu inimigo político, o frasista Lacerda, que era o verdadeiro autor da expressão "fi-lo porque quilo", em resposta à pergunta "por que fê-lo?", de Jânio. Este, a quem normalmente é atribuída a boutade, jamais faria brincadeiras com a língua, que levava a sério. Eu desconfiava daquele fechamento, que acreditava feito nas coxas. Imaginava que ia dar tudo errado.

Mas no dia seguinte, ao abrir o jornal, tudo fazia sentido: os títulos, as legendas, a disposição das matérias. O fechamento, que para nós custava muita dor de cabeça, para ele era um jogo. Sua cabeça estava solta e o olho clínico, atento.


Duas: Abertura

Tinha aterrissado na redação indicado por Jorge Escosteguy, que na época trabalhava na Veja. Oficialmente, não havia espaço para mim - ou seja, a "casa" não tinha pedido uma contratação, mas Zuba precisava de um redator e me colocou lá para ajudar no fechamento, sem o conhecimento de Tarso. No primeiro contato que tive com Tarso fiquei bem impressionado pela maneira direta e franca da sua conversa, que foi rápida e eficaz. Acabei ficando na Folha dois anos e meio porque Tarso confiou em Zuba e também porque foi com minha cara.

Tarso estava mais voltado para o iminente lançamento do Folhetim e deixou a Ilustrada nas mãos da equipe coordenada por Zuba e secundada por Marco Antônio de Moraes, o Markito (depois de cada fechamento, Markito convidava: Nei, vamos até o bar para parar de tremer). Tarso tinha deixado sua marca no suplemento, ao editar uma série de reportagens de capa enfocando, cada dia, uma artista mulher (Bruna Lombardi e Rita Lee mereceram esse destaque). A Ilustrada não era um espaço de matérias frias. Tinha personalidade própria, agitava, avançava sobre outras editorias, derrubava murinhos, criava casos, provocava ciúmes.

Tarso alimentava o rumor, fazia cena. Quando lançou o Folhetim, avançou pela redação com uma prova da capa que tinha - é claro - o Chico Buarque colorido, com o título "Olhos nos olhos". Caminhava lentamente, com a capa à mostra, triunfante, segurando uma gargalhada explosiva, que rebentava no minuto seguinte.

A liberdade instaurada por ele costumava provocar dores de cabeça em Tarso, que chegava apavorado na mesa da edição para dar alguns toques:

- Não copisquem os colunistas, vocês enlouqueceram?


Três: Caráter

Migrante recém chegado em São Paulo em 1976, fiquei ligado na Ilustrada editada por Tarso de Castro, jornalista que lia e gostava não só desde a fase do Pasquim, mas do Panfleto - o Jornal do Homem da Rua. Lia o Panfleto - uma das muitas obras da dupla Fortuna/Tarso - ainda em Uruguaiana, RS, onde vivi até os 17 anos. Na Ilustrada, assinei reportagens, crítica musical, fábulas e comentários. Tarso nos deixava solto, porque apostava na criatividade alheia. Ele criava o cenário da invenção. Todos, medíocres ou não, saíam ganhando.

Sabia ser indiferente, porque era seletivo, apesar de aberto. Mas também sabia ser solidário. Quando tive um problema grave de família, fui buscar o salário para dar, inteiro, de entrada nas despesas do hospital - tinha havido uma emergência e eu não dispunha de plano de saúde, pois na época era autônomo, nem tinha carteira assinada. Ele soube da história, fez uma cara feroz e pegou o telefone, gritando para o diretor financeiro:

- Paga o hospital do nosso redator!

O diretor, claro, não gostou. Mas Tarso fincou pé e jamais precisei pagar aquela despesa.


Quatro: Fortuna

Na época, não cheguei a fazer amizade com Fortuna, o braço direito de Tarso. Só em 1988, quando fui assessor de imprensa e precisei de um diretor de arte, é que me aproximei bastante desse gênio brasileiro, que amargou longo exílio interno depois de tanto fazer pelo jornalismo. Fortuna era muito mais que um cartunista seminal, mestre do traço e da piada política. Escrevia como poucos e, leitor de Gutemberg, era criador visual de primeira, com extrema lucidez no olhar, capaz de detectar um desvio de meio milímetro num fio mal colocado (antes da computação).

Cito Fortuna neste depoimento porque ele se queixava bastante da injustiça que fizeram ao Tarso em relação ao Pasquim. Para Fortuna, o Pasquim foi obra de Tarso e não dos outros colaboradores, que foram apenas coadjuvantes. O Pasquim, como o Panfleto, como Enfim, Folhetim, eram produtos do inventor de jornais Tarso de Castro, filho de jornalista e admirador de Samuel Wainer, o repórter que virou cartola da imprensa.


Cinco: Final

- Recebeste meu livro de poesias, Tarso? perguntei.

- Estava lendo teus versinhos para minha namorada, respondeu ele.

Quando me encontrava, gostava de lembrar nossas raízes gaúchas. Gritava:

- Tchê, perdi minha guaiaca de fumo e fiquei a tarde toda campaneando.

E achava isso sempre muito engraçado, o que mantinha o mote com o mesmo sabor da primeira vez.

A última vez que vi Tarso, foi no centro de São Paulo. Abracei seu corpo muito magro, que ainda tinha força para o abraço. Estava desenganado. Morreria pouco depois, com apenas 49 anos. No seu velório, vi seu rosto muito pequeno, encolhido. Toda vez que me lembro dele, me dá saudade. Faz falta sua coragem, seu talento, seus ruído, sua ética, seus jornais, sua solidariedade.

Fui seu amigo esporádico, episódico, sem muita importância. Mas sua generosidade tinha espaço para todos os contemporâneos.

Hoje, quando alguém fala mal de Tarso, encaro a declaração como uma ofensa pessoal.



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