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8 de janeiro de 2005 |
A contra-reforma agrária do Banco Mundial
Marcelo Resende e Maria Luisa Mendonça (*)
O Banco Mundial está comemorando seus 60 anos. Ao mesmo tempo, movimentos sociais em todo o mundo organizam protestos contra os impactos das políticas e da ideologia dessa instituição, que promove a expansão do capitalismo.
O Banco determina a concepção de desenvolvimento e as políticas econômicas dos países periféricos, obrigando-os a comprometer seus orçamentos com projetos que beneficiam o grande capital. Sob o pretexto de "ajuda econômica", os programas do Banco Mundial exercem forte impacto na dívida externa, além de estabelecerem uma contrapartida dos governos para financiamentos de seus projetos. As prioridades do Banco Mundial são determinadas principalmente pelo governo dos Estados Unidos, através do Departamento de Estado, que elabora suas políticas, tem prerrogativa de veto e indica o presidente da entidade, em geral um membro do setor financeiro. De acordo com o "Consenso de Washington", a ideologia do Banco se baseia na lógica do Estado mínimo. Essa política tem se refletido no meio rural, onde o Banco Mundial concentra seus projetos, promovendo a privatização do território através das regras do mercado. De acordo com essa concepção, os camponeses devem buscar a "eficiência" nos moldes de um modelo integrado ao agronegócio. Nas últimas décadas, foi construída em diversas partes do mundo a idéia de que o território rural não era significativo para o desenvolvimento. Os processos de êxodo rural se baseiam na imagem dos centros urbanos como os principais geradores de renda e de oportunidades econômicas. Porém, as maiores regiões concentradoras de recursos naturais - como água, terra, minério e biodiversidade - estão no meio rural e passaram a ser o centro das políticas de agências financeiras multilaterais, especialmente do Banco Mundial. Não é aleatório que, hoje, os principais projetos do Banco estejam voltados para o campo. No Brasil, a ideologia do Banco passou a ter maior impacto no governo FHC, que estabeleceu uma política agrária denominada "Novo Mundo Rural", centrada basicamente em três princípios: (1) o assentamento de famílias sem terra enquanto uma política social compensatória; (2) a "estadualização" dos projetos de assentamento, repassando responsabilidades inerentes à União para estados e municípios; (3) a substituição do instrumento constitucional de desapropriação pela propaganda do "mercado de terras", o que significa a compra e venda negociadas da terra. Durante o governo FHC, o Banco Mundial iniciou três programas que inauguravam uma trajetória de acesso à terra e uma concepção de desenvolvimento rural: Cédula da Terra, Banco da Terra e Credito Fundiário de Combate à Pobreza. Esses programas beneficiam o latifúndio improdutivo com o pagamento à vista da terra, com a aquisição de terras devolutas, muitas de má qualidade e com preço inflacionado. As associações criadas para a compra das áreas são muitas vezes organizadas pelos próprios latifundiários, sendo que diversas terras adquiridas poderiam ser passíveis de desapropriação. Por outro lado, as condições desses projetos impossibilitam o pagamento dos empréstimos pelos trabalhadores rurais e inviabilizam a produção até mesmo para a subsistência das famílias. Com o início do governo Lula, o conjunto dos atores sociais do campo depositaram suas esperanças na reversão desse processo. A expectativa era de que a reforma agrária estaria no centro da agenda política, como uma forma importante de geração de empregos, de garantia da soberania alimentar e como base de um novo modelo de desenvolvimento. Ao contrário, o que assistimos foi a continuidade das políticas do Banco Mundial para o meio rural. Em novembro de 2003, o Ministério de Desenvolvimento Agrário anunciou o "Plano Nacional de Reforma Agrária: Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural". Uma das principais metas do plano, com a previsão de atingir 130.000 famílias, é a continuidade do programa de Crédito Fundiário de Combate à Pobreza Rural, que segue a lógica do "mercado de terras". Esse projeto enfraquece o Estado nas suas atribuições, concorre com os instrumentos e recursos públicos da reforma agrária baseada na função social da terra e legitima as oligarquias rurais. Outra meta do plano, que visa facilitar a implementação do "mercado de terras", é o cadastramento e georeferenciamento do território nacional, com a regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais e a titulação de 500.000 posseiros. Esse programa acaba com o conceito de terras públicas e comunitárias e pode contribuir com o aumento da concentração fundiária. Através da venda das posses, a titulação pode beneficiar latifundiários e grileiros, além de fortalecer os governos estaduais na concessão de terras públicas e devolutas para madeireros e grandes empresas agrícolas. Na região amazônica e no cerrado já se verifica a expansão da monocultura da soja, que pode ser facilitada pela privatização das áreas georeferenciadas. O projeto permite ainda que o Banco Mundial tenha acesso a dados estratégicos sobre a malha fundiária brasileira. Apesar do Plano Nacional de Reforma Agrária dar prioridade às políticas do Banco Mundial, as organizações sociais esperam que o governo Lula cumpra seu compromisso de realização de uma ampla reforma agrária nos moldes constitucionais. Para isso, algumas das medidas necessárias seriam a revogação da medida provisória que impede a desapropriação de terras ocupadas, o estabelecimento do limite máximo das propriedades no Brasil e a desapropriação de todos os imóveis que não cumprem sua função social. Em relação à proposta de georeferenciamento do território rural, seria mais fácil e menos oneroso para o Estado estabelecer um prazo para que todos os latifundiários apresentassem o laudo de produtividade, o registro do imóvel e a área georeferenciada. Dessa forma, o ônus da prova seria invertido e passaria a ser de responsabilidade dos proprietários. O território rural brasileiro possui uma imensa diversidade cultural e social, que inclui comunidades de acampados e assentados de reforma agrária, assalariados rurais, produtores familiares (parceiros, meeiros, posseiros e arrendatários), proprietários rurais minifundistas, populações tradicionais (ribeirinhas, pescadores artesanais, quilombolas), garimpeiros, povos indígenas, atingidos por barragens, comunidades extrativistas (quebradeiras de coco, seringueiros), entre outros. Neste contexto, é incompreensível que a responsabilidade pela formulação de políticas para o campo, incluindo o uso e a ocupação do território, seja delegada a uma instituição financeira internacional como o Banco Mundial. É necessário que o país possua políticas públicas compatíveis com a complexidade das demandas históricas, das experiências e formulações dos movimentos sociais protagonistas deste território, que lutam pela democratização da terra e por soberania. (*) Marcelo Resende é geógrafo, ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Maria Luisa Mendonça é jornalista e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Este artigo foi publicdo originalmente em www.social.org.br. |
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