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10 de agosto de 2005 |
Fausto Wolff
"Estávamos parados na rua, incertos e temerosos, até que a casa à nossa frente começou a derreter e caiu aos nossos pés. Nossa casa também transformou-se numa montanha de poeira. Um vento cruel alimentava as chamas. Finalmente, compreendemos que não poderíamos ficar ali e nos dirigimos ao hospital. Nossa casa fora destruída, estávamos feridos e precisávamos de socorro. Além disso, eu, como médico, devia estar ao lado da minha equipe. Só depois me dei conta da irracionalidade do meu pensamento. Que bem eu poderia fazer, ferido como estava? Começamos a caminhar, mas depois de 30 passos tive de parar. Não tinha fôlego, meu coração disparara e minhas pernas deixaram de me agüentar. Senti uma sede terrível e pedi à minha mulher que me arranjasse água. Mas não havia água. Eu estava nu e embora não sentisse vergonha fiquei triste por haver perdido o pudor. Fiquei sentado no chão. Gradualmente as coisas começaram a entrar em foco. Pessoas que mais pareciam sombras caminhavam como fantasmas. Outras se moviam como espantalhos: braços bem abertos para impedir a fricção com a carne queimada. Uma mulher nua carregava um bebê nu. Pensei: talvez eles estivessem tomando banho. Quando vi alguns homens nus me dei conta de que, como ocorrera comigo, alguma coisa os privara de suas roupas. Uma velha estava deitada ao meu lado. Seu rosto demonstrava que ela estava sofrendo muito mas não se queixava. Na verdade, o silêncio era total.
As estradas estavam desertas com exceção dos mortos. Alguns pareciam ter sido petrificados pela morte enquanto caminhavam. Outros estavam achatados contra o pavimento como se uma gigantesca mão os houvesse esmagado. As montanhas distantes me pareceram mais próximas do que nunca. Como Hiroshima era pequena sem suas casas. Tudo à minha volta estava carbonizado. Dentro dos ônibus parados dezenas de corpos mortos em fogo, impossíveis de serem reconhecidos. Vi reservatórios de água cheios de pessoas mortas até a borda. Pareciam ter sido cozinhadas em água fervente. Num reservatório vi um homem bebendo água quente misturada com sangue. O homem ao seu lado estava morto. Os que podiam caminhavam vagarosa e silenciosamente. Quando se lhes perguntava de onde haviam vindo, apontavam para a cidade. Quando se lhes perguntavam para onde estavam indo apontavam para a distância. Todos nus, todos queimados, todos sangrando. Um povo cujo espírito havia sido quebrado abandonava uma cidade em ruínas. Simplesmente seguiam os que iam à frente. Quando o dia acabou tive a impressão de que fora suspenso no tempo, pois não tínhamos nem relógios e nem calendários.'' Vocês acabaram de ler minha tradução do testemunho do dr. Michihiko Hachiya, diretor do Hospital de Comunicações de Hiroshima, ferido no bombardeio de 6 de agosto de 1945, enquanto estava em sua casa, a uns 1.700 metros do epicentro da catástrofe. Seu hospital estava mais próximo, a uns 200 metros. Oitenta dos 190 médicos de Hiroshima morreram. Sem comentários sobre o modo norte-americano de manter a paz mundial. Logo que morreram os ingleses e o brasileiro, há pouco, o mundo pediu silêncio, como lamento pelas estúpidas mortes que certamente não teriam ocorrido se a Inglaterra não houvesse se transformado ironicamente numa colônia americana. Hoje se completam 60 anos do bombardeio em Nagasaki, ocorrido em 9 de agosto, três dias depois do de Hiroshima e totalizando 120 mil mortos nas duas cidades. Quantos minutos de silêncio pediremos por essas pessoas e quantos pelos quase 50 mil seres humanos - velhos, mulheres e crianças - caçados e mortos no Iraque até agora? Como aconteceu com as cidades japonesas, Bagdá renascerá das cinzas mas jamais será a mesma. |
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