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8 de agosto de 2005 |
Luís Nassif
Vendo a triste figura de Delúbio Soares, me vem à memória Gregório Fortunato, o Anjo Negro, o guarda-costas de Getúlio Vargas, o mais leal amigo que Vargas já teve, e que o levou à desgraça.
Em Poços de Caldas, contavam muitas histórias de Gregório. Havia um personagem folclórico, de nome Paulo Francês, funcionário público de terceiro escalão. Não cheguei a conhecê-lo, mas à mulher, que fazia biscoitão e broa de primeira. Era comadre de meu pai. Poços se orgulhava de tratar com naturalidade as figuras ilustres que a visitavam, mas Paulo Francês exagerava. Quando Getúlio saia para circular pelos jardins do Pálace, chamava Paulo para conversar. Com toda naturalidade, Paulo colocava o braço sobre os ombros de Vargas e pontificava sobre a situação política. Gregório rugia, mas Vargas fazia sinal para ficar longe, enquanto dava boas gargalhadas com os causos. Gregório acompanhou Getúlio até o fim. Em 1945 foi morar com o chefe em uma casa de fazenda, sem luz elétrica, no Rio Grande do Sul. Voltou com Vargas ao poder. Quando o chefe demonstrou não ter mais os mesmos reflexos políticos de antes, assumiu iniciativas. Era o bruto, jagunço sem nenhuma sofisticação. Articulou o atentado da rua Toneleros, contra Carlos Lacerda. Depois, viu seu mundo ruir, seu chefe se matar e amargou décadas na prisão. Muitas vezes tentei imaginar o que se passava na cabeça daquele brutamonte, o mais leal das pessoas, na cadeia, abandonado por todos e sendo apontado como o traidor de seu chefe. E era apenas uma peça ignorante do jogo político à sua volta. O mesmo ocorre agora com Delúbio, o Anjo Tosco do Cerrado. Cruzei uma vez com ele, indo almoçar no Amadeus, restaurante de peixes ali na Haddock Lobo. Subi as escadas com a pessoa com quem iria almoçar. No final da escada, na primeira mesa, atrás da coluna, estava Delúbio, terno bem cortado e um havana cujo cheiro, por si só, chamaria a atenção de um quarteirão inteiro. Sentamos umas três mesas depois e ficamos observando a figura. Delúbio não fazia reunião, concedia audiência. Várias pessoas aguardavam na parte térrea do restaurante. Uma a uma subia, sentava à mesa do chefe, conversava em voz baixa, depois descia. Era inacreditável que aquilo ocorresse a três quarteirões da avenida Paulista, em um lugar aberto e freqüentado. Nem se fale das entrevistas que concedeu no período, a naturalidade inacreditável com que se vangloriava de ser atendido por todos os ministros. Não se compare Valério e Delúbio. Valério é desses personagens menores, que, por razões variadas, ocuparam posição de influência muitos graus acima de seu limite de competência. Ousou abordar grandes grupos internacionais e nacionais, meramente dispondo do poder de marcar audiência com José Dirceu - como se bastasse isso para arrombar todas as restrições legais e institucionais. E achava que o método de abordagem sobre o Banco do Espírito Santo era o mesmo que adotava com o Banco Rural. Delúbio, não, este é o personagem trágico, o Quasímodo em um mundo de Richelieus de araque. No começo, com aquele ar apalermado de deslumbramento explícito, mas tão explícito que dava dó de ele não perceber o que seria dele no dia seguinte. Depois, o mesmo ar apalermado de quem não entendeu nada. O país o acusando, mais que isso, o partido o acusando, os companheiros o acusando, logo a ele, que dedicou sua vida à "causa", que não eram idéias, nem propostas, mas a solidariedade aos amigos. Assim como Gregório, o "Anjo Negro", Delúbio irá cozinhar no inferno e não despertará piedade de ninguém. A opinião pública jogará em suas costas os pecados de todo o sistema. Os companheiros atribuirão à sua incompetência sua desgraça política. É até possível que, com sua lealdade tosca, assuma calado todas as culpas, como fez o próprio Gregório. O Anjo Negro e o Anjo Tosco do Cerrado fariam o que fosse necessário, até oferecer sua vida pelas suas lealdades, por um mundo que, para eles, era seu chefe, o seu partido. Essa era a sua ética, a ética do seu grupo. Imagino-os no inferno da história tentando entender onde erraram, Gregório com ar altivo, Delúbio com ar assustado, ambos com o ar apalermado dos que entraram e saíram da história sem se dar conta, por um minuto, do papel que desempenharam. |
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