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La insignia
24 de abril de 2005


Campeonato brasileiro: uma análise demográfica


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, abril de 2005.


Nos últimos dois anos, o Campeonato Brasileiro de futebol adotou uma mesma fórmula de disputa. Pode parecer algo absolutamente óbvio e trivial, mas isso nunca havia ocorrido desde que o campeonato adquiriu, digamos, suas atuais dimensões nacionais [1]. A fórmula em questão é relativamente simples: jogam todos contra todos, em turno e returno; ao final, é declarado campeão o time que soma mais pontos. Além de simples, essa talvez seja também a fórmula mais resistente às tradicionais maracutaias da cartolagem. Apesar disso (ou talvez por isso mesmo), demorou mais de 30 anos até que fosse adotada no principal campeonato de futebol do país.

A continuidade do Campeonato Brasileiro nesses moldes, porém, está ameaçada. A edição de 2005, que começou neste sábado (23/04), repetirá a fórmula de 2003 e 2004; depois disso, no entanto, ninguém sabe ao certo o que vai ocorrer. Ao que parece, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o chamado Clube dos 13 e a Rede Globo (detentora exclusiva dos direitos de transmissão ao vivo das partidas pela TV) arquitetam mudanças (para pior) a partir da edição de 2006. As mudanças estariam sendo patrocinadas pelo pessoal da Rede Globo e visariam alavancar seus índices de audiência. O público-alvo das preocupações seriam os telespectadores, aquele pessoal que assiste às partidas de futebol de chinelo e bermuda, defronte de um aparelho de TV; os torcedores que (ainda) teimam em ir assistir (sozinhos ou com a família) aos jogos nos estádios, que se lixem [2].

Deixando os bastidores de lado, a questão aqui é outra: afinal, qual é a representatividade dos times que irão participar da edição 2005 do Campeonato Brasileiro de futebol? Será que a lista de participantes de algum modo reflete a demografia do país? Em outras palavras, estados e regiões estariam adequadamente representados, levando em conta seus respectivos pesos demográficos?


A geografia do campeonato

Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de o Campeonato Brasileiro não ter representantes de todos os estados. Ao contrário, a edição de 2004, por exemplo, foi disputada por 24 times, oriundos de apenas nove dos 27 estados brasileiros, a saber (em ordem decrescente de tamanho populacional): São Paulo (7 times), Minas Gerais (2), Rio de Janeiro (4), Bahia (1), Rio Grande do Sul (3), Paraná (3), Pará (1), Santa Catarina (2) e Goiás (1).

Já a edição desse ano será disputada por 22 times, oriundos de 10 unidades da federação, a saber: São Paulo (6 times), Minas Gerais (2), Rio de Janeiro (4), Rio Grande do Sul (2), Paraná (3), Ceará (1), Pará (1), Santa Catarina (1), Goiás (1) e Distrito Federal (1) [3]. Em relação à edição do ano passado, as novidades envolvem a saída da Bahia e a entrada do Ceará e do Distrito Federal.

Uma maneira de avaliar a representatividade do Campeonato Brasileiro é checar a correspondência que há entre a procedência dos times participantes e a população residente, seja por estados ou regiões. De acordo com o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), conduzido em 2000, a população brasileira naquele ano chegou a 169.872.859 habitantes [4]. Fazendo uma comparação entre o tamanho da população e o número de times, considerando apenas as 10 unidades da federação com representantes na edição 2005 do campeonato, logo descobrimos algumas distorções. Por exemplo, há um excesso de times paranaenses (três, quando deveriam ser apenas dois) e cariocas (quatro, quando deveriam ser três) e uma escassez de times mineiros (dois, quando deveriam ser três) [5].

As distorções ficam ainda mais evidentes quando reduzimos o grau de resolução da análise e nos debruçamos sobre a representatividade por região geográfica (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Assim, agrupando os 22 times da edição 2005 por região, teríamos a seguinte distribuição: região Norte (1 time), Nordeste (1), Sudeste (12), Sul (6) e Centro-Oeste (2). De acordo com o IBGE, a distribuição regional da população brasileira em 2000 era a seguinte (em percentuais): Norte (7,6), Nordeste (28,1), Sudeste (42,6), Sul (14,8) e Centro-Oeste (6,9).

Em um campeonato representativo, esses mesmos percentuais deveriam ser observados na procedência regional dos times. Na edição desse ano, porém, tal correspondência não será observada em nenhuma das regiões: por um lado, por que há um exagero de times do Sul (seis, quando deveriam ser apenas três ou, no máximo, quatro) e um pequeno excesso do Sudeste (12, quando deveriam ser nove ou dez) e do Centro-Oeste (dois, quando deveria ser apenas um); por outro, há uma ligeira carência de times do Norte (um, quando poderiam ser dois) e, principalmente, por conta da absurda escassez de times do Nordeste (um, quando deveriam ser pelo menos seis).

Muitos analistas passaram anos se queixando do número excessivo de times participantes do Campeonato Brasileiro. Esse número vem diminuindo progressivamente nos últimos anos: foram 24 em 2004, serão 22 em 2005 e, se tudo continuar caminhando de acordo com o previsto, serão apenas 20, em 2006. Poucos observadores negariam a necessidade de um número restrito de times participantes - pessoalmente, acho que 22 seria hoje o número mais adequado -, mas a representatividade das regiões não pode continuar assim tão desbalanceada. Nesse sentido, a medida mais necessária e urgente seria aumentar o número de representantes do Nordeste.


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).

1. O Campeonato Brasileiro passou a ter a abrangência e as pretensões de uma competição nacional a partir de 1971.
2. Alguns defendem o retorno de uma fórmula mais tradicional (e mais vulnerável à corrupção): jogam todos contra todos, em turno e returno; em seguida, os primeiros colocados se classificam para uma etapa posterior e assim por diante, até que sobram apenas dois times, que disputam o título de campeão, em dois jogos de ida e volta. Na edição de 2004, os estádios brasileiros bateram um recorde negativo: nunca tão pouca gente assistiu aos jogos, graças, entre outras coisas, ao absurdo preço fixo dos ingressos - em qualquer jogo, o ingresso mais barato não poderia custar menos de R$ 15,00. Para se ter uma idéia, basta lembrar que, no ano passado, o maior público presente a uma partida não chegou a 50 mil pagantes, no jogo Atlético Mineiro vs. São Caetano (SP). O Campeonato Brasileiro é, cada vez mais, um tosco e enfadonho espetáculo de televisão: jogos ruins, em estádios cada vez mais vazios.
3. Estou aqui me referindo apenas à Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro; deve-se lembrar, contudo, que existem também a Segunda e a Terceira divisões. Até pouco tempo atrás, sempre que o time de preferência de algum manda-chuva do futebol caía, digamos, da Primeira para a Segunda Divisão, era a hora de virar a mesa e mudar o regulamento. Nesse sentido, o futebol espelha bem a situação política de muitos países da América Latina, cuja estabilidade parece depender em boa medida do humor e da vontade pessoal de uns poucos "coronéis". Com a "modernização" do futebol brasileiro, a lista de coronéis que mandam e desmandam no regulamento inclui agora também a turma dos patrocinadores.
4. A população residente no país já estaria em torno de 182 milhões de habitantes; para detalhes, ver http://www.ibge.gov.br.
5. Em 2000, de acordo com o censo do IBGE, a população de cada um dos 10 estados representados na edição de 2005 do campeonato era a seguinte: São Paulo (37 milhões de habitantes), Minas Gerais (17,9), Rio de Janeiro (14,4), Rio Grande do Sul (10,2), Paraná (9,6), Ceará (7,4), Pará (6,2), Santa Catarina (5,4), Goiás (5,0) e Distrito Federal (2,1). Entre os estados sem representantes na edição deste ano, cabe mencionar: Bahia (13,1 milhões de habitantes) e Pernambuco (7,9).



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