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La insignia
15 de setembro de 2004


O jornalista de filme e de telenovela


Nei Duclós
La Insignia. Brasil, setembro de 2004.


O ator José Mayer (que insistem em chamar de galã) faz o papel de um colunista diário em Senhora do Destino, a telenovela das nove da Globo. Quando decide trabalhar, arregaça as mangas, literalmente. Faz toda uma performance física equivocada para um trabalho mental, que exige recursos mais sofisticados de atuação. Lembro de Antonio Maria, que incomodou um político poderoso com um artigo e acabou sofrendo um atentado. Os meliantes quebraram suas mãos. Antonio Maria saiu-se com uma pérola. Idiotas, disse o grande cronista, eles acham que eu trabalho com as mãos. Na telenovela anterior, Celebridade, os jornalistas retratados eram da pior espécie. Parece ser difícil reproduzir essa profissão numa obra audiovisual. Os americanos são mestres em consolidar equívocos.

Passagens

A melhor atuação foi a de Clint Eastwood, que faz o veterano repórter caído em desgraça mas acaba resolvendo um crime e assim salvando um condenado à morte. Outra atuação admirável é a de Kirk Douglas em A Montanha dos Sete Abutres (The Big Carnival). Ele faz o papel do repórter também fora do circuito que tenta voltar à ativa com sensacionalismo barato que acaba em tragédia. Mas normalmente os jornalistas são reproduzidos como uns grandes boas vidas, que nada mais tem a fazer do que ocupar-se de uma determinada história. Todo jornalista é um produtor de caracteres, já que o jornal tem espaço de sobra para ser preenchido. Raramente existe o repórter que se debruça sobre um só assunto durante dias ou semanas. O jornalista é confundido com detetive ou simplesmente galã.. É por isso que tem tanta gente querendo ser jornalista: parece ser uma profissão cheia do chamado glamour, feita de grandes aventuras (como a do chato do Fantástico que fica perguntando para onde ele vai) ou de viagens sobre a neve e as montanhas. Jornalismo é um trabalho diário, duro, sem fim-de-semana nem feriado, feito sob as ordens dos mais diversos e duros algozes, a começar pelo seu colega de profissão, os editores, os editores- chefes, os diretores de redação, os patrões, as agências de publicidade e as autoridades em geral. Parece aquela história do Henry Ford, de que os carros poderiam ter qualquer cor, desde que fossem pretos. Você pode escrever o que quiser, desde que obedeça a todo mundo.

Censuras

Amigo, aqui é da delegacia de polícia. Teve um acidente aí na avenida tal envolvendo fulano, não é para divulgar nada, falou? Gelei quando recebi esse telefonema nos anos 70, em Vitória do Espírito Santo. Posso te fazer uma pergunta à socapa?" perguntou o famoso editor. O que tem a ver esse teu texto com a revista? Peguei tua reportagem para dar uma garibada, disse o editor de texto quando entreguei a primeira matéria da minha vida. O texto não foi mexido em nada, mas não saiu assinado por mim. Tirei a matéria principal da tua edição e coloquei mídia interna; não gostei, me disse outro, depois de eu ter passado uma madrugada inteira fechando algumas páginas. Lembro que essa reportagem, da jornalista Izilda Alves, era sobre um crime misterioso em São Paulo e meu título era: a máfia tem voz de mulher. Os melhores textos e títulos são geralmente boicotados. Se existe algo sempre alerta é a mediocridade que faz a censura das mais variadas formas. Parece que farejam. Na hora que você vai dar o grande bote, sempre tem um boi-corneta, como diria meu pai. Você então vai colecionando camas-de-gato ao longo da sua vida e essa carga acaba te fazendo menos confiante do que antes. O perigo é deixar-se abater. É preciso redobrar a atenção e preparar o troco. Quando menos esperam, lá está você com um bela investida.

Agüente o repuxo, pois virá bala. Vão te infernizar, te copiar, desqualificar, demitir, fazer de tudo para eliminar o estrago. Mas dez anos depois de você ter dado aquela cravada, alguém liga no teu celular e diz: soube desse número e precisava te falar; aquele poema, aquela reportagem, cara, mudaram minha vida. Aí você sabe que escrever não significa arregaçar as mangas para mostrar que trabalha. Escrever é ser recebido no coração dos teus contemporâneos.



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