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La insignia
28 de julho de 2004


Sheena e as tarzanas


Carlos Eduardo Martins (*)
La Insignia. Brasil, julho de 2004.


Lançada em 1938, Sheena, a Rainha da Selva, foi a primeira heroína dos quadrinhos, precedendo a Mulher Maravilha por três anos, e deu origem a um sub-gênero - as "tarzanas" - que rapidamente cresceu e se multiplicou. Ao longo dos quinze anos seguintes, dúzias de beldades selvagens adornaram as páginas dos gibis e açularam a imaginação dos leitores, vestidas - sumariamente - em peles de leopardo, zebra, tigre, girafa, antílope (1) ...

Claro: uma jovem e bela mulher, seminua, arrostando os perigos do então Continente Negro, enfrentando as bestas e os bandidos equipada, se tanto, de armas primitivas, era - é - uma fantasia sado-erótica arquetípica por excelência.

Não por acaso, os enredos se desenvolviam na base do confronto físico. As tarzanas não tinham superforça, laço mágico, armas de raios ou poderes místicos que lhes permitissem resolver a parada de uma distância segura. Onze vezes em cada dez, nossa heroína era nocauteada, geralmente com uma coronhada ou bordoada na cabeça (o que talvez explique por que, por mais duros crânios que tivessem, deixavam a desejar em matéria de dotes intelectuais; pelo menos as vastas cabeleiras serviam para esconder os "galos"); e variegadamente encordoada, acorrentada, enjaulada, escravizada, chicoteada, pendurada pelos polegares, arrastada de barcos, carroças e montarias, lançada aos mais diversos predadores de terra, mar e ar, incluindo alguns espécimes do reino vegetal, arremessada precipícios e cachoeiras abaixo, envenenada, flechada, esfaqueada, baleada - tudo, menos sexualmente molestada. Rulah foi quem mais esteve perto, por pelo menos duas vezes: de uma feita, já indefesa no leito de um nédio chefe tribal, foi - oh, humilhação! - rejeitada por não ser carnuda o bastante para os apetites do sibarítico soba, e de outra conseguiu, por pouco pouco muito pouco mesmo, se esquivar das atenções de um gorila amoroso. (O que não significa que as histórias eram de todo assexuadas. Sheena, afinal, co-habitava com seu "companheiro" Bob. Tigrana, com seu "fiel servo" Abdullah. E Nyoka, Lorna, Jann e outras, embora não dividindo o mesmo teto, tinham seus "caçadores brancos" sempre à mão (2). Já Rulah - sempre ela! - mal disfarçava suas proclividades lésbicas.)

Invariavelmente, é óbvio, nossa heroína dava a volta por cima, e ia à forra - no braço -, não raro até as últimas e fatais conseqüências, contra os impiedosos vilões. Ou vilãs. Pois, não raro, a antagonista era uma cruel sucedânea, (quase) tão bela e poderosa quanto. Sem falar nas incontáveis sósias que vira e mexe se metiam na(s) pele(s) das tarzanas e por elas se faziam passar para os mais nefandos propósitos (3).

Tampouco é de admirar, portanto, que as tarzanas tenham sido um dos alvos preferenciais da "caça às bruxas" desencadeada contra os quadrinhos nos anos 50, nas ondas do macarthismo (4) - e talvez suas maiores vítimas. Em meados de 1955, não só praticamente todas as tarzanas haviam sido banidas, como também as principais editoras que as publicavam - Fawcett, Fiction House, Fox - tinham encerrado suas atividades (5). Sobreviveram, mal e mal, umas poucas, publicadas pela Atlas (que daria origem à Marvel), as mais recatadamente vestidas: Jann, Lorna e Mulher-Leopardo - sendo que Lorna teve que fazer uma temporada emergencial num spa e passar de "quatrocentos talheres" a quase- heroin-chic. E parecia que o gênero estava caminhando a rápidos passos para a extinção.

Ledo engano. As selvas, afinal, são férteis, e propícias ao reflorescimento. Já em 1956, os telespectadores nos Estados Unidos foram agradavelmente surpreendidos com o lançamento da série televisiva Sheena, Queen of the Jungle, estrelada pela portentosa modelo Irish McCalla, cujas longas madeixas - as quais tinham uma função prática, a de ocultar qualquer vislumbre de decote nas tomadas em que a Rainha da Selva tinha que se inclinar para frente - eram louras de farmácia (no que Irish seria imitada quase trinta anos após por Tanya Roberts, mas não nos adiantemos). Foram apenas 26 episódios (na época, uma temporada de seis meses durava seis meses mesmo, sem previsão de reprises) de meia hora, todos literalmente hechos en Cuernavaca, com produção, enredos, interpretação e direção risíveis, mas a série - que foi exibida e re-exibida repetidamente no Brasil - e sua protagonista se tornaram objeto de um intenso e duradouro culto (6).

No Brasil, desde 1957 a EBAL mandou a cautela às favas, e começou e republicar histórias pré-55 de Sheena & cia., prática que manteve, sob vários formatos e em diferentes ocasiões, por mais de vinte anos. A Rio Gráfica fez o mesmo com Jann, Lorna (pré- e pós-dieta) e a Mulher Leopardo, que também tiveram histórias reeditadas nos Estados Unidos pela então incipiente Marvel. Mas por mais de quinze anos nenhuma nova tarzana surgiu na praça.

Até que, no final de 1972, a Marvel, já a rainha-da-cocada-preta do mercado, e numa fase expansionista em que lançava um novo título quase que a cada semana, criou Shanna, the She-Devil (no Brasil, onde os dois primeiros números do título foram publicados por uma editora menor, Shanna, a Mulher-Demônio), a primeira tarzana, desde os anos cinqüenta, ambientada em seu tempo. Embora suas aventuras se passassem numa África mítica (com direito até a uma "civilização perdida" num dos primeiros números), Shanna enfrentava caçadores clandestinos, traficantes de drogas e quetais - e, já no segundo número da revista, foi cooptada pela S.H.I.E.L.D. para uma missão de fazer inveja à Viúva Negra. E foi essa precoce integração ao "Universo Marvel" que selou seu fim.

Seu próprio título durou apenas cinco números. Em seguida, foi escalada para uma "ponta" numa aventura de Ka-Zar, foi coadjuvante do Demolidor, e voltou às páginas de Ka-Zar para desempenhar o papel de second banana, recalcitrante "interesse romântico" e por fim esposa de Lord Plunder e mãe de seu primogênito. E nessa condição permaneceu congelada.

Entrementes, ainda nos anos setenta, Bill Black, que se tornaria um dos principais e o mais duradouro dos editores "independentes", lançou Tara, ainda mais up-to-date que Shanna. Filha de um (conveniente) milionário, Tara Fremont, embora semivestida no proverbial biquíni e armada da não menos de rigueur faca, nada tinha a ver com a África. Era a administradora de um santuário animal situado numa ilha na costa da Flórida, ecologista ferrenha, tinha não um companheiro, mas sim uma companheira, Janis - e era inequívoca, ainda que não declaradamente, lésbica (7).

Tara teve algumas histórias publicadas esporadicamente por editoras independentes, e viria a sofrer o mesmo infortúnio que Shanna: em 1985, Bill Black lançou, por sua editora Americomics, o primeiro título estrelado por uma equipe composta somente de heroínas, FemForce, para a qual Tara foi recrutada desde o primeiro número. Fora de seu elemento e a única integrante sem superpoderes (8), Tara viria a se tornar também a mais inexpressiva das FemForcers. Posteriormente, adquiriu o nada original poder de aumentar de tamanho, mas isso ainda era café pequeno comparado aos de suas companheiras, bem como aos do(a)s adversário(a)s, e pouco a pouco Tara foi sumindo do proscênio.

Antes disso, porém, ocorreu um evento que a princípio parecia promissor para o gênero: o lançamento, afinal, da versão cinematográfica de Sheena, a Rainha da Selva, várias vezes anunciada e postergada por problemas de negociação dos direitos da personagem. A escolha para o papel-título também parecia perfeita, pelo menos do ponto de vista estético: a belíssima Tanya Roberts, que dois anos antes havia co-estrelado a interessante fantasia de aventura O Senhor das Feras, e posado para um tórrido ensaio fotográfico, com a temática "a bela e as feras", para a revista Playboy (esse número da revista se tornaria um item de colecionador - por algum tempo...).

À medida que as matérias de divulgação eram publicadas, porém, o que era expectativa foi se transformando em receio, e finalmente, quando o filme foi lançado, em total decepção. O filme se revelou um total desperdício. Da produção, rodada em locação na África, com paisagens deslumbrantes. Da própria Tanya Roberts: estranhamente, de lindíssima morena, ao oxigenar os cabelos, Ms. Roberts se reduzira a apenas mais uma lourona gostosa - e nem as duas seqüências em que aparecia nua compensavam o desapontamento dos fãs.

Mas o maior desperdício foi da personagem. Contrariando a tradição dos quadrinhos, a Sheena do filme não faz absolutamente coisa alguma. Em algumas cenas, Sheena balança muito bem dos cipós, o que, mesmo com todas as correias e cabos, não é coisa fácil (consta que Tanya Roberts treinou vários meses como trapezista para aquelas poucas tomadas; pelo menos, não se pode negar que ela se dedicou ao papel) - mas, convenhamos, é o mínimo que se espera de uma tarzana. Mas em termos de ação, tudo que faz é disparar uma única flecha incendiária (que atinge o alvo, mas apenas para o fogo ser logo apagado).

Para poupar Sheena de sujar as mãos, os roteiristas (consta também que o roteiro passou por dúzias de mãos, e foi reescrito outras tantas vezes) a dotam do poder de comandar os animais telepaticamente - e são eles, e não ela, que fazem o trabalho pesado, e derrotam as forças do mal. Mesmo os confrontos físicos mano-a-mano ficam por conta dos fiéis seguidores nativos de nossa não-heroína. Ao perseguir o vilão-mór, Sheena cai de sua zebra (na verdade um cavalo pintado de zebra; zebras não são bons animais de montaria), e tem que ser salva pelo "caçador branco" - no caso nem isso, e sim um jornalista esportivo estadunidense.

A história, além de "politicamente (e ecologicamente) correta", não fosse o filme um produto dos anos oitenta, é pífia; o "interesse romântico" de Sheena, o jornalista em questão, um imbecil; e, para não deixar pedra sobre pedra, foi acrescentado um comic relief, o cinegrafista que acompanha o tal jornalista, que é mais um elemento constrangedor. (Na versão exibida na TV no Brasil, boa parte das cenas em que o papalvo cinegrafista aparece foi cortada - o que, longe de prejudicar o filme, o despiorou um pouco.) Há, sim, uma bela vilã, comparsa do arquivilão; mas, de novo indo contra toda a tradição, ela e Sheena jamais chegam às vias de fato. E, para completar, as manchas do biquíni haviam desaparecido,

O filme foi um retumbante fracasso, de bilheteria, de crítica e, sobretudo, entre os mais devotados aficionados do gênero - que desde então ao mesmo tempo anseiam por uma nova Sheena e tremem em pensar em que novas ignomínias Hollywood possa vir a perpetrar contra a personagem. A carreira de Ms. Roberts começou ali a ir pelo ralo abaixo (9). E Sheena parecia mais uma vez condenada ao esquecimento, e com ela todas as tarzanas.

De novo, não por muito tempo. Arquétipos não morrem, e a próxima tarzana dos quadrinhos teria sua origem ligada à linhagem dos quadrinhos sado-eróticos. Este sub-gênero, que teve seu apogeu ("por baixo dos panos", não eram vendidos em bancas) nos anos quarenta e cinqüenta, tinha duas vertentes, de resto não mutuamente excludentes: os bondage comics, em que a heroína era imobilizada (e não raro supliciada) por cordas, correntes, mecanismos etc.; e as brigas-de-mulher (10). Em um e outro casos, o nome do jogo era humilhação (uma variante envolvia a sujeição de homens - geralmente fracotes - por mulheres - invariavelmente musculosas).

Kyra, criada por Robin Ator e lançada em 1985, portanto logo depois da versão cinematográfica de Sheena e de certa forma indo "no vácuo" da decepção causada pelo filme, reunia vários desses componentes. Era filha de Kageena, uma tarzana por sua vez criada por Eneg (Gene Bilbrew), um dos mais prolíficos artistas dos quadrinhos sado-eróticos. E, ao contrário das tarzanas esguias, era musculosa - até demais para ser também ágil, mas, sem trocadilho com Ms. Fremont, tara é tara -, modelada nas "marombeiras", outra subcultura sado-erótica, originada, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos.

Kyra não era ambientada na África. Seus domínios ficavam na Ásia, numa região não especificada ao pé dos Himalaias. E as histórias tinham ainda, et pour cause, elementos místicos (Kyra foi, por algum tempo, uma espécie de protegida e campeã da divindade hindu Pavaarti), de feitiçaria e de ficção científica. Talvez por tentar enfiar coisa demais num único biquíni, ou por seu apelo principal ser dirigido a um segmento restrito de público, Kyra também teve vida breve. A revista durou apenas cinco números, seguidos de uma graphic novel, e dela não se ouviu mais falar.

Além de várias reedições das histórias originais, Sheena teria ainda outras curtas temporadas nos quadrinhos, incluindo uma divertida derivação. Em 1992, foi publicada uma "fotobiografia" de Irish McCalla, escrita por Bill Ferett e - de novo - Bill Black, que incluiu, além de algumas histórias dos anos quarenta, uma nova tarzana, ninguém menos que... Irish, Queen of the Jungle (história do mesmíssimo Black, desenhos de dois contribuidores regulares da Americomics, C. Bradford Gorby e Mark Heike), em que Ms. McCalla se transmuta em uma rainha da selva - e na selva desaparece.

Quatro anos antes, tinha havido uma tentativa de "ressuscitar" a Sheena "original", magicamente rejuvenescida e retornada à África, onde faria par com um igualmente rejuvenescido Kionga. Publicada por uma pequena editora, Blackthorne, durou apenas três números. Pouco mais que isso durou uma nova "nova" Sheena, editada por outra pequena editora, London Night Studios, que obteve direitos de publicação da personagem em 1998. Especializada no outré, a editora tratou de moldar "sua" Sheena aos padrões da casa: em vez de pele de animais, usava couro (embora, na maioria das capas, as ilustrações a mostrassem no tradicional biquíni de pele de leopardo). E da personagem tinha apenas o nome e o infalível, e no contexto totalmente despropositado, subtítulo Queen of the Jungle. Era uma ativista "ecológica" (a vilã da vez, CEO de um poderoso conglomerado - claro -, a define como "the tree-hugging adventuress of legend"), mas cujos métodos nada tinham a ver com os do Greenpeace, pois era tudo menos pacífica: com ela era mesmo no braço (pelo menos algo em comum com a tradição das tarzanas).

A mais interessante das novas tarzanas surgidas nessa época foi Cavewoman, criada por Budd Root, e lançada em 1994. Em matéria de ambiente primitivo, Cavewoman deixava as demais tarzanas no chinelo: suas aventuras se passam no cretáceo, para o qual a pequena Meriem Cooper (11) havia sido transportada, aos seis anos de idade, em companhia de seu avô Francis Reicher, em uma máquina do tempo por ele inventada. O avô morre dois anos depois (embora continue aparecendo para Meriem, e a aconselhando, como um fantasma), e Meriem tem que sobreviver sozinha - o que consegue porque seu avô, para prepará-la para viajar no tempo, havia "reforçado sua estrutura molecular", o que lhe dá força e resistência excepcionais. Até que, quando está com dezenove anos, sua cidade natal, Marshville, também é acidentalmente transportada para os mesmos período e local - e pela primeira vez em mais de dez anos Meriem encontra outro ser humano. E obviamente os habitantes de Marshville estão totalmente despreparados para enfrentar os perigos do ambiente em que se encontram.

Aceita a premissa fantástica, a série é excelente. As histórias são inteligentes e bem desenvolvidas - embora Budd Root tenha de uma feita recorrido ao cediço expediente de aparentemente matar a heroína para, no número seguinte, fazê-la ressurgir literalmente do túmulo -, os personagens coadjuvantes mais que simples papel de parede, cada um com sua personalidade claramente definida e explorada. O desenho, embora um pouco caricatural, é de ótima qualidade, inclusive as representações de dinossauros e outras criaturas selvagens, e Cavewoman - que, como de praxe, usa um reduzido biquíni de pele (de serpente, mas com as indefectíveis manchas semelhantes às de um leopardo) e uma faca como arma - um deleite para os olhos. Não há propriamente vilões na história; a trama gira em torno da luta dos humanos para sobreviverem nas condições hostis que os cercam.

Cavewoman foi inicialmente publicada em duas séries, cobrindo quatorze números, entre 1994 e 1998. Além de alguns números com histórias avulsas e micro-séries, uma nova série, com uma trama enroladíssima, começou em 2000, e ainda está em andamento (é a praga dos quadrinhos independentes, com sua irregularidade). Infelizmente, exceto pela terceira série, Budd Root passou o bastão a outro roteirista e desenhista, de estilo ainda mais caricatural, que desfigurou a heroína adicionando-lhe várias polegadas ao busto, não que no traço original de seu criador Meriem fosse desprovida de atributos frontais, pelo contrário. E, em 2000, Sheena voltou às telas. Não do cinema, mas da TV, em um novo seriado com Gena Lee Nolin (ex-Baywatch) no papel-título.

A Sheena desse seriado é claramente baseada na do malfadado filme, a começar pela ausência de manchas no saiote (essa Sheena não usa um biquíni), generosamente decotado e depois transformado em um duas-peças. Como a do filme, a Sheena do seriado é órfã de um casal de cientistas estadunidenses, e tem como mentora a xamã de uma tribo local. Não tem o poder de comandar animais telepaticamente, mas pode fazer melhor: pode se transformar em animais, sejam mamíferos ou aves (supostamente, em répteis e insetos também, embora essa possibilidade nunca tenho sido usada). De quebra, pode ainda se transformar numa criatura selvagem, uma mulher-fera, Darak'na - o que, por alguma razão jamais esclarecida, requer que se lambuze de lama (há sempre uma poça convenientemente nas proximidades) e perca a parte de cima da vestimenta (a lama aí servindo ao mesmo propósito que os cabelos de Irish McCalla) , mas não a de baixo ou as botas; é, ela usa botas. O "caçador branco" da vez é Matt Cutter (John Allen Nelson, outro egresso de Baywatch), proprietário de uma agência local de turismo, na realidade um ex-agente da CIA que teria abandonado a agência por não aceitar continuando fazendo trabalhos sujos para o governo do Tio Sam, e o comic relief seu dele recalcitrante assistente.

Em que pese a imbecilidade intrínseca, o primeiro episódio do seriado é assistível, apresentando a personagem central e seus poderes e características e os principais coadjuvantes de forma escorreita. E inclui o que viria a se tornar um estratagema recorrente: para lavar a lama, Sheena, que havia se transformado em Darak'na, toma um banho de cachoeira pelada, embora evidentemente sem que a câmera mostre uma fração do que Tanya Roberts havia exposto no filme. A partir daí, o seriado foi cada vez mais resvalando para o ridículo, tendo como única virtude redimitória (além das cenas de Ms. Nolin topless, de costas ou do colo para cima, e umas poucas em que aparece bottomless, mas, claro, das coxas para baixo) o fato de Sheena, mesmo em sua forma humana, também ser boa de briga. Durou duas temporadas, num total de trinta e cinco episódios exibidos, e não deixou saudades.

E mais uma vez Sheena e suas co-irmãs tarzanas se embrenharam na selva e, à exceçao de Cavewoman, sumiram das vistas do público. Mas o gênero se mostrou, ao longo de mais de sessenta anos, resistente a tempora e mores - e a qualquer momento a saga poderá recomeçar...


Notas

(*) Carlos Eduardo Alcântara Martins é economista graduado pela Pontificia Universidade Católica (PUC) do Brasil.

(1) Com a notável exceção de Nyoka, que usava um conjuntinho de short e blusa. Nyoka, aliás, não era propriamente uma tarzana. Os quadrinhos se originaram de dois seriados para cinema, Jungle Girl (1941) - baseado num livro de Edgar Rice Burroughs, do qual só aproveitou o título - e Perils of Nyoka (1942). Tais seriados, em doze ou quinze episódios, eram um complemento comum nas sessões de cinema da época, e seguiam o formato que recebeu o nome de cliffhanger: ao final de cada episódio, o herói (ou a heroína) parecia inescapavelmente fadado(a) a perecer - e no episódio seguinte se safava miraculosamente (inicialmente, os quadrinhos de Nyoka seguiam o mesmo formato, em dois ou três episódios). Vários desses seriados, por sua vez, usaram personagens dos quadrinhos, notadamente Flash Gordon.
(2) Um sub-produto das tarzanas foi que as inumeráveis contrafações de Tarzan - Kionga, Jojo, Zago - rapidamente passaram a ter também suas "companheiras", não menos semi-despidas e atraentes.
(3) Nada de novo aí, o próprio Burroughs já havia usado esse expediente em dois livros de Tarzan, Tarzan e o Leão de Ouro e Tarzan e os Homens-Formiga.
(4) Estabelecido em 1954, como uma forma de autocensura, o Comics Code foi descrito na época, pelos próprios editores de quadrinhos, como "o mais restritivo código em existência para qualquer meio de comunicação".
(5) Curiosamente, aqui no Brasil o mesmo efeito se observou em poucos meses. O Guri, da Editora O Cruzeiro, que publicava entre outras Nyoka, Rulah e Tangi, além de Zago, sofreu um violento boicote, teve de mudar rapidamente de linha, e mesmo assim não sobreviveu por muito tempo; a bem mais comportada EBAL (Editora Brasil-América Limitada), que dominava o mercado, conseguiu se safar proscrevendo Sheena, Tigrana, Wanda - e Kionga, cuja companheira, então desenhada por Maurice Whitman, foi uma das mais atraentes figuras femininas que jamais emprestaram sua graça à página impressa. Coincidentemente ou não, mais ou menos por essa época a EBAL começou a editar publicações "edificantes", tais como A Bíblia em Quadrinhos e Grandes Nomes da História do Brasil - cujo primeiro volume foi dedicado a Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro.
(6) Pressagiando o que aconteceria com sua sucessora na tela grande, a carreira cinematográfica de Ms. McCalla nunca deslanchou, e após algumas B-movies totalmente inexpressivas ela se afastou das câmeras e se tornou uma desenhista e pintora de razoável renome. Irish McCalla enfrentou, e superou, duas ocorrências de tumor cerebral, vindo a falecer em 2002, aos 73 anos de idade.
(7) Esse aspecto da personalidade de Tara nunca foi satisfatoriamente explorado, e embora em mais de uma ocasião ela tivesse entreaberto a porta do armário nunca a escancarou. Vale notar que a aparência de Tara lembrava, e muito, a de Rulah: morena, e usando um biquíni - que, Black fazia questão de enfatizar político-corretamente, não era feito de pele de animal - cuja padronagem era praticamente idêntica à da pele de girafa usada por Rulah.
(8) As demais integrantes originais, Ms. Victory, She-Cat e Nightveil, eram todas reencarnações de heroínas da década de 40. Nightveil era uma nova persona da Blue Bulleteer, que por sua vez nada mais era que a Phantom Lady com um par de 45s à cintura - sem contar outro par entre a cintura e o pescoço - em lugar do misterioso raio negro paralisante. FemForce durou mais de 100 números, chegou a conquistar um pequeno "fan following" e esteve em várias ocasiões para se tornar ora um filme para cinema, ora um filme para TV ora uma série de TV, projetos que jamais se concretizaram.
(9) Tanya Roberts viria a se revelar a rainha das oportunidades perdidas. Antes de Sheena, ela havia sido a última das Panteras de Charlie, exatamente na derradeira e fracassada temporada da série. Seu papel em O Senhor das Feras veio num momento em que o gênero "espada e feitiçaria" já se esgotava. Ela tinha co-estrelado os dois pilotos da série Mike Hammer, como Velda, a assistente do personagem titular, e estava escalada para o papel na série regular - mas abriu mão (o papel ficou com Lindsay Bloom, que preencheu os, digamos, requisitos admiravelmente) para fazer o filme, acreditando que ali estaria sua grande oportunidade de subir pelo menos para o segundo escalão. Depois de Sheena, a água oxigenada parece ter lhe penetrado o cérebro. Em nova escolha equivocada, desempenhou uma das Bond girls mais sem sal da história em Na Mira dos Assassinos, outro fracasso, e sendo aí totalmente eclipsada pela vilã interpretada por Grace Jones. Já rebaixada ao quarto escalão, mas ainda com menos de trinta anos e apetecível, enveredou pelos chamados "thrillers eróticos" - outro subgênero que rapidamente entrou em decadência... Em suas mais recentes aparições, estava de volta à telinha, na série That 70s Show - já como mãe de uma adolescente.
(10) Ambos elementos invariavelmente presentes, como já vimos, nas tarzanas "clássicas", e, igualmente, em praticamente todos os quadrinhos de ação / aventura. Rara terá sido a heroína dos quadrinhos que não tenha vivido uma ou ambas de tais circunstâncias.
(11) O texto é repleto de alusões a King Kong (a versão original, de 1933), do qual Budd Root é fã confesso. Assim, por exemplo, um oponente constante de Meriem, e talvez a única criatura que realmente lhe inspire medo, é um gorila de quatro metros e meio de altura, de inteligência quase humana - que havia sido primeiro um animal de laboratório e depois assistente de seu avô, e após a morte deste se volta contra Meriem -, também "molecularmente reforçado", o que faz dele páreo para qualquer predador pré-histórico menor que um tiranossauro; seu nome, igualmente alusivo, é Klyde. Posteriormente, eles voltam às boas, e Klyde se torna companheiro de aventuras e protetor de Meriem. É Klyde quem a mata, sendo em seguida morto pelos humanos; como Meriem, também ressuscita, e no processo esquece seu antagonismo por ela.



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