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La insignia
13 de agosto de 2004


John Reed e Charles Chaplin


Nei Duclós
La Insignia. Brasil, agosto de 2004.


Certamente Charles Chaplin leu o conto O Capitalista, de John Reed, e nele encontrou o personagem que fez sua fama. O texto foi publicado no jornal The Masses, editado pelo amigo de ambos, Max Eastman. A história do desempregado de roupa puída e ar distinto - denominado William Booth Wrenn - faz parte da coletânea A Filha da Revolução (Conrad do Brasil, 2001) e foi publicado em 1912, dois anos antes de Chaplin criar o seu vagabundo.

O personagem está lá, inteiro, pronto para influir na história do cinema. Todos os traços do futuro Little Tramp estão nesse conto. Primeiro, ele vai de "algum lugar a lugar nenhum", ou seja, anda a esmo, vagueia pelo país de desempregados (tramp significa também andarilho). A história ambienta-se na Nova York de novembro, úmida e fria, com ruas onde estão, além de William, um guarda, e um casal de velhos, bêbados e mendigos. William distingue-se desses mendigos pela maneira como se veste e pelo ar de dignidade. Ele não pede esmolas, vive de bicos - no início da história, ele conta sua fortuna (65 centavos) que ganhou fazendo "não importa o quê".

É impressionante as coincidências em tudo, a começar na descrição física do personagem. Segundo Reed, William poderia enganar o observador desatento, pois parecia ser um jovem comum em ascensão. Usava sapatos de couro que davam a impressão de terem sido engraxados recentemente, um chapéu velho, na aparência, britânico e uma capa de chuva no comprimento correto. Era, segundo Reed, uma espécie de uniforme para quem procurava emprego em Nova York. Mas a proximidade revela o colarinho puído e sujo, ligado a um "trapo sem mangas que não era uma camisa". Os sapatos tinham dois buracos nas solas e as meias, encharcadas, estavam aparecendo.

Outra coincidência é o comportamento. O desempregado sem rumo de Reed é como o andarilho de Chaplin: balança as moedas alegremente no bolso, atira uma para o alto para decidir qual rumo tomar e vira-se de maneira cortês quando é chamado. E mais: é confundido, pelo povo da rua, com os capitalistas de verdade (como Chaplin em Luzes da Cidade, quando a vendedora de flores, cega, o imagina rico). Mas é solidário com os despossuídos e desamparados, como o personagem de Chaplin. Chegamos a pensar que ele tem um lugar para ficar à noite, já que oferece essa alternativa para uma velha mendiga. Mas o guarda entrega tudo:

- Meu senhor, você sabe quem eu sou? pergunta William.
- Sim, respondeu o guarda. Você é o cara que eu expulsei duas vezes daqui ontem à noite. Agora vá, ou eu acabo com você.

Temos então todo o perfil do personagem, iguais no conto e nos filmes: os gestos, a aparência, as roupas, o comportamento e os relacionamentos - de solidariedade com os necessitados e de oposição com os guardas. Vemos na autobiografia de Chaplin sua sintonia com o socialismo, o que gerou problemas com o FBI, principalmente depois de Tempos Modernos (quando o andarilho enfim consegue emprego - e não se adapta ao sistema).

Reed é um escritor estupendo e mão merece ser chamado de "play-boy da revolução", como foi escrito quando o livro foi lançado no Brasil o ano passado. Seus contos são sobre a alienação de opressores e oprimidos e sua lucidez ultrapassa o círculo de giz do engajamento datado. São contos que cruzam o tempo intactos, abordando a prostituta que pensa ser livre depois de sofrer com a família retrógrada e militante de esquerda; os jovens combatentes americanos irresponsáveis que são expulsos do exército de Pancho Villa; o ex- comunista sérvio que adota o manejo com armas e tropas como expressão da sua estupidez; o inglês esnobe e o inglês bronco, que vão para a guerra porque se alinham com a tradição.

Mas na alienação existem também pessoas encantadoras, como o médico da fronteira que é respeitado pelos mexicanos, ou a prostituta que correu o mundo e voltou para a pista de dança porque nele definiu seu lar. Reed é imbatível no texto que sugere muito mais do que está escrito, na concisão que se dá o luxo de demorar sobre detalhes, na vida que salta de corpos e rostos enrugados, sujos, fedidos, nas luzes e cores de vida mundana e na aspereza da guerra permanente.

É um escritor obrigatório, que morreu de tanta luta, ou talvez de excesso de lucidez e talento, que explodem em seu trabalho de jornalista e escritor itinerante, notadamente neste livro e no seu clássico Os Dez dias que Abalaram o Mundo.



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