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8 de novembro de 2001 |
Geografia, Geopolítica e conflitos no século XXI
Orlando Albani de Carvalho
La sociedad multiétnica.
Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros Giovanni Sartori Traducción de Miguel Ángel Ruiz de Azúa Madrid, Taurus, 2001. 139 p.
O paradoxo dá-se, então, por que estes conflitos, - confrontos diretos entre dois ou mais grupos que disputam um território e onde a guerra seria o momento mais agudo do enfrentamento, na qual atuariam Exércitos Estatais organizados de cada parte - se dão exatamente sobre este novo espaço que se produziu a partir da queda do Muro de Berlim e do final da Guerra Fria: o chamado espaço da Globalização. Deste modo, a geografia e a geopolítica continuam vivas nas (re)definições de novos "espaços vitais" e pela dinâmica político-militar dos Territórios (territorializações, desterritorializações e reterritorializações) e por um fato imanentemente humano, a produção do espaço geográfico. Assim, as posturas sobre "o fim da história" - já bastante refutadas - e sobre "o fim da geografia" não apresentam nenhuma sustentação teórica plausível ou que consideremos aceitáveis. Fim da Geografia? No caso dos que propõe o "fim da geografia", trata-se de uma colocação que expressa - a exemplo da de "fim da história" - brevidade no conhecimento da Epistemologia da ciência geográfica. Neste aspecto o mais comum é a confusão entre Geografia e Cartografia (não que esta também esteja "a caminho do fim") e a redução do arcabouço destas ciências às noções de traçado de fronteiras e determinação de distâncias. Se é verdade que, com a criação de novas técnicas e tecnologias, as distâncias são cada vez mais relativas (por exemplo na questão dos transportes em relação ao tempo para cobrir distâncias ou da transmissão de informações), também é um fato que para a inexistência das duas ciências citadas seria necessário "o fim" do Espaço, que é, antes de tudo, o locus da Existência das pessoas, das coisas e do fenômenos naturais. A Geografia é uma ciência que tem por objeto muito mais que a localização e descrição de fronteiras, países e paisagens. Ela é uma ciência que não estuda o espaço em si, como podem crer alguns, mas que analisa "as coisas que estão no espaço", os objetos (naturais e sociais) e as pessoas em suas relações com o meio natural e humanizado ao mesmo tempo. O espaço pensado assim é o verdadeiro objeto da geografia, o espaço geográfico, constantemente produzido pelas sociedades. É sobre o espaço que assenta-se o Território (Nacional, Político, Econômico, Social, etc.), conceito também fundamental para a Geografia. O Território, pensado como um espaço delimitado e definido por relações de poder, é objeto de grande dinâmica (social, política e militar) hoje e sempre. Os conflitos por poder sobre o Território espalham-se por todo o planeta em diferentes escalas, re-organizando espaços. Mas é o Cotidiano a dimensão fundamental da Vida. É neste acordar/dormir, comer/beber/vestir, deslocar-se, trabalho/lazer, ler/ver/ouvir/falar que a vida de toda pessoa acontece. Mas este acontecer da vida, a Existência, se dá no espaço e no território. É no território que ocorrem as ações, onde o indivíduo age e reage; vê (com as possibilidades de sua ambiência) e "filtra" os acontecimentos do Mundo que chegam até ele; é onde atua e é atingido por diversos aspectos das relações sociais em diferentes escalas. Assim a Geografia está muito longe do "fim" e a Geopolítica, neste inicio de século, acreditamos, toma novo fôlego teórico. E se os conflitos, em seus aspectos mais violentos, da Colômbia à Palestina, de New York ao Afeganistão, tem uma escala global, tem também uma escala Local ( são mais 'sentidos' no Lugar) e Cotidiana à afetar um enorme número de pessoas de forma direta. Sobre as origens dos conflitos Os conflitos - os essencialmente geopolíticos - manifestam-se com grande amplitude, sejam nas lutas de povos ou nações oprimidas em busca de liberdade (em seus próprios Estados, que buscam formar), seja nas opressões de grupos hegemônicos pelo mantimento ou ampliação de seus territórios e poder, bem como na apropriação de novos espaços com mais recursos naturais. E o que motiva conflitos, como os que vemos na República Democrática do Congo por exemplo, são tanto o controle sobre recursos naturais (diamantes) como também resultado da desterritorialização/reterritorialização do lugar pela inserção do Estado Moderno, invenção européia. O uso do termo "guerra" não pode ficar restrito ao confronto entre Exércitos Nacionais. O que acontece hoje na Palestina é guerra, assim como o que se desenha na Colômbia com o "Plano Estadunidense". Porém, o que buscamos colocar aqui, apenas, é uma sistematização que busca, em um momento posterior, colaborar para a análise dos tantos conflitos que se espalham pelo planeta. Para tal empresa utilizamo-nos das colocações de Mariano Aguirre (AGUIRRE, 1996), diretor de Estudos sobre Conflitos do Centro de Investigações para a Paz, de Madri, que considera as seguintes categorias como principais razões (origines des conflits) para os conflitos deste final de século: Recursos Naturais: São conflitos que ocorrem pela disputa de territórios contendo recursos minerais importantes, como por exemplo, água, petróleo, ouro, diamantes, cobre, carvão, ferro, entre outros. Exemplos: Israel x Palestina - água; Rússia x Tchechênia - petróleo; Separatismo e nacionalismo: São conflitos que ocorrem quando um grupo étnico nacionalista objetiva constituir seu próprio Estado-Nação. Exemplos: Tchechênia; Bósnia-Herzegovina; A questão da Palestina, onde os palestinos lutam com os israelenses para configurar o seu próprio país. Conflitos regionais: Chamados assim quando ocorrem em função da definição de fronteiras ou pela posse de territórios (aos quais se atribui um domínio histórico). Exemplo: Índia x Paquistão - que disputam a região da Caxemira, no noroeste indiano; Israel x Palestina - disputa por territórios. Lutas em favor da democracia: São lutas resultantes de um ideal anti-colonialista, reivindicações democráticas ou de reconhecimento de identidades (indígena). Exemplo: EZLN (Exercito Zapatista de Libertação Nacional) em Chiapas, no México; Guerras revolucionárias ou conflitos fundamentalistas: Ocorrem quando grupos tentam impor sua própria ideologia ou visão de Mundo à todos os cidadãos. Exemplo: Os conflitos na Argélia entre fundamentalistas-religiosos que pretendem um Estado Islâmico e o Governo pró-ocidente. Lutas étnicas ou religiosas: Ocorrem quando grupos de diferentes identidades (conflitos identitários ou étnicos), lutam pela posse de territórios. Nestes casos, etnia e religião ficam bastante "próximas" e a religião, muitas vezes, é o aspecto mais marcante da diferença. Por vezes caracteriza-se pela chamada "limpeza étnica". Exemplo: Ruanda e Burundi (África) - entre as etnias tútsis e hútus; Os conflitos entre os croatas-católicos, bósnios-muçulmanos e os sérvios-cristãos ortodoxos na ex-Iugoslávia (Balcãs). Conflitos irredentistas: Quando grupos étnico-nacionalistas pretendem estender as fronteiras de seu Estado para englobar um outro território dentro do qual vivem comunidades pertencentes ao seu grupo, ou seja, qualquer movimento que objetive a unificação de povos da mesma origem étnica, ainda que politicamente ou territorialmente separados. Exemplo: Projetos da Grande Sérvia e Grande Albânia. Evidentemente devemos estar cientes da complexidade destes conflitos, os quais apresentam múltiplas causas e origens. Portanto, tal "classificação" somente pode ser considerada uma primeira (porém ótima) aproximação. Assim, lembramos que cada conflito pode apresentar uma ou mais das origens sugeridas por Aguirre e ainda agregar outras não sistematizadas, como por exemplo, aspectos mais "sutis", como uma grave crise interna economica-financeira (como a que atravessava a Iugoslávia no final da década de 80 e que foi o estopim real para os 'nacionalismos' e a fragmentação do país); uma condição de repartição de renda por demais desigual; ou ainda considerar a relevância da falência ou o enfraquecimento do Estado como fermento para a insurreição ou a revolução. O conflito W.Bush (by USA) x Bin Laden (in Afeganistão), por exemplo, reúne muitas variáveis que, pensadas separadamente, seriam apenas uma tentativa de explicação de um evento que move-se desde as razões ideológicas até a geopolítica do petróleo ("recurso" tanto natural como geopolítico e estratégico). Nacionalismos e Identidades As questões ligadas ao "nacionalismo" devem ser tratadas com especial cuidado dada a complexidade deste tema: este aspecto parece envolver não apenas situações de Nações sem Estado, como os palestinos, mas também aquilo que Montserrat Guibernau (1997) coloca como "Estados sem Nação" - ou seja, um estado "arbitrariamente projetado, [...] (e) que controla o uso legitimo dos meios de violência em seu território, conserva soberania interna e externa, e recebe o reconhecimento internacional de sua situação" (pp. 126). A questão dos fundamentalismos religioso, em especial o islâmico, também deve ser analisada de forma local e global. Os atuais conflitos envolvendo, principalmente, as culturas Árabe-muçulmana e Ocidental podem ser pensadas do ponto de vista da afirmação de identidades, ou seja, uma causa identitária, em nosso entender. Assim, para Manuel Castells (CASTELLS, 1999 - pp.30/37), por exemplo, se o fundamentalismo islâmico trata-se, primeiro, de um predomínio absoluto da Sharia (lei sagrada muçulmana, baseada na interpretação do Corão com pertinência ao momento histórico e social), também trata-se de uma reconstrução da identidade islâmica em oposição ao capitalismo, ao socialismo e ao nacionalismo, mesmo árabe, que são, no entendimento destes, ideologias fracassadas provenientes de uma ordem pós-colonial e que pode ter o seu surgimento dado em função da exposição do mundo islâmico aos processos de globalização. Deste modo, o fundamentalismo islâmico atual pode ser configurado, neste final de século, como uma reação aos efeitos negativos da globalização para a população em questão. A questão da identidade também pode ser levada ao conflito Israel x Palestinos, como mais uma motivação para este tão complexo evento. O enclave ocidental-sionista representado pelo Estado de Israel no Oriente Médio, que reúne aspectos sobretudo geopoliticos e geoestratégicos (locação de armamentos e tropas pró-ocidente), representa um corpo que tornou-se absolutamente indesejável às populações árabes. Cabe salientar que de certo modo este confronto entre judeus e palestinos ou árabes nem sempre foi tão crítico. Em um momento anterior a formação do Estado de Israel, judeus, em uma parcela minoritária (eram entorno de 4% da população da Palestina em 1882), viviam de forma mais integrada à região, inclusive pela prática da mesma língua (para isto ver MASSOULIÉ, 1997). O judeu-sionista (pois nem todo judeu é sionista), ansioso por criar sua própria identidade (mesmo que já existisse uma ocidental ou pró-ocidental), vai adotar o hebraico moderno como língua oficial e assim, paulatinamente, vai tornando-se "diferente" do árabe. Globalismo, Tecnologia e Desemprego Assim, no mundo do 'globalismo' (utilizamos aqui o termo 'globalismo' por entendermos a questão da nova mundialização das atividades como um processo em andamento e não acabado como o termo GLOBALIZAÇÃO sugere) as desigualdades no acesso as possibilidades sociais se reproduzem a todo o instante. O acesso a bens fundamentais como moradia, saúde, alimentação e educação distanciam-se da realidade de um número cada vez maior de indivíduos. Metade da população mundial vive com menos de US$2 por dia e 30% não tem acesso à energia elétrica. (Enquanto isso, no Afeganistão, são despejados dezenas de mísseis ao custo de US$ 1.000.000 cada.) O mundo dirigi-se, cada vez mais, para a ampliação de uma base técnica e pela crescente tecnologização das atividades... para alguns. Esta Tecnologia, benéfica por vezes, é sem dúvida, excludente, normativa e também, demonstravelmente, geradora de muitos conflitos. Observemos aqui que a "Tecnologia" em si não é excludente, sendo possível considerar até o contrário, ou seja, a tecnologia possibilitou e possibilita uma série de inclusões. A exclusão ocorre pelo uso que fazem dela os poucos que a controlam. Porém, em países como o Brasil, o mito do desemprego causado pela tecnologia difunde-se facilmente, o que é uma produção ideológica: o indivíduo responsabiliza a 'máquina', ou seu desconhecimento dela , pela sua condição de desemprego, ficando "cego" a outras causas mais plausíveis e esquecendo-se que a fabricação daquela mesma máquina (um robô ou um computador pessoal) gerou empregos em outro lugar. O dia seguinte não pode ser a hiper-xenofobia Mas se alguns falam em crise do Estado e do Trabalho, o que dizer da crise das Nações? Os povos estão em crise, uma crise de sobrevivência e de re-criação de suas existências em um Novo Mundo que, veloz, salta-lhes à frente. Os jogos de Poder vitimizam seres humanos pelas bombas (inteligentes ou burras) e pela fome e criam situações cada vez mais insuportáveis. Não é novidade que a falência do Estado em seu papel de gerar/organizar condições aceitáveis de vida são a razão do (re)surgir de nacionalismos, muitos deles resultando em graves conflitos armados. Muito mais do que à crises econômicas, precisamos nos dar conta da crise em que se encontra a Humanidade. O século XXI será uma era do "cada um por si" e do individualismo? Esperamos que não. No entanto, tememos pelos eventos posteriores ao 11 de setembro em New York. A exemplo do que ocorreu com o Plano Colômbia - onde os EUA, com a legitimidade do combate às drogas, tentaculizam os países andinos latino-americanos e exploram seu petróleo -, o "Mundo Civilizado" forneceu a G.W.Bush uma autorização para proceder uma caçada global à todos aqueles que forem identificados, por ele, como terroristas. Será o fim do diálogo? Nossa preocupação é a de que se desencadeie como conseqüência social - a partir do violento e midiatizado atentado às Torres do World Trade Center e Pentágono - uma generalização xenófoba com relação aos árabes, de proporções nunca vistas, ou seja, uma hiper-xenofobia. O distanciamento da realidade vivida, por exemplo, pelos colombianos residentes na Colômbia em outros países da América Latina, faz com que muitas pessoas construam para si uma identidade colombiana a partir de informações de segunda mão, midiáticas. Por este prisma muitos consideram todos os colombianos como narcotraficantes ou plantadores de coca, o que não é verdade. Demônios Globais e conclusão Com esta perspectiva devemos estar atentos para não transformar a todos os árabes-muçulmanos, palestinos ou colombianos, por exemplo, em terroristas. Diante do pavor e insegurança, em escala global, causados pela horripilância dos acontecimentos, forja-se um terreno propício, segundo entendemos, à uma hiper-xenofobia, campo infelizmente fértil também para o neo-fascismo e a ultra-direita. Assim, da mesma forma que não podemos acusar todo colombiano de ser um traficante de drogas, não podemos considerar todo muçulmano ou árabe como um terrorista. As conseqüências de uma atitude assim, naqueles espaços que nos são palpáveis, nos espaços cotidianos, nas cidades, nos bairros, seriam desastrosas para qualquer uma das partes envolvidas, acentuando ainda mais este nosso mundo tão cheio de todos os tipos de conflitos. Devemos combater/evitar o terrorismo e a guerra em qualquer de suas formas. Mas diante de uma população mundial em estado de choque - e carente de uma multiplicidade de fontes de informação que lhe permita melhor formular suas críticas - a Mídia, quando à serviço do Poder, tem sua capacidade de criar monstros, "onde" e "para quem" for adequado, aumentada. Quem serão os próximos demônios? Que Mundo teremos pela frente agora, depois da destruição das Torres? Se não vivemos 'em todos os lugares' ao mesmo tempo, a não ser pela instantanização da Informação (mas que apenas existe em Potência e não em fato para uma maioria), nós 'sentimos' o Mundo (Todo) no lugar que escolhemos para viver, isto é, em nosso cotidiano. Deste modo, a Geografia segue mais viva do que nunca, em um novo século que se inicia, tristemente, assentada em um mapa-múndi de conflitos. Bibliografia consultada
AGUIRRE (1996), Mariano. L'emergence d'un monde nouveau. In: Conflits: fin de siècle. Manière de voir, n.º29, Le Monde Diplomatique, Paris, fev.1996, pp. 10-12. |
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